Cruzeiro 2 x 1 Flamengo – Golaço tático

Imposição, intensidade, movimentação e paciência foram alguns dos predicados que o Cruzeiro apresentou ontem na partida contra o Flamengo pela Copa do Brasil. Talvez tenha sido o jogo mais impressionante da temporada do ponto de vista tático até aqui, e não seria nenhum exagero dizer que o Flamengo escapou de levar uma goleada histórica no Mineirão. Talvez o placar elástico até tivesse saído se Júlio Baptista estivesse em um ritmo melhor.

Mas, como o futebol não é matemática, às vezes — ou melhor, frequentemente — o placar é mentiroso. O gol sofrido numa falha técnica ainda mantém o confronto aberto, mas não há como negar o favoritismo do Cruzeiro, não só pela vantagem em gols, mas pela superioridade tática, técnica e física.

Escalações

Um execução primorosa dos três meias no 4-2-3-1 do Cruzeiro, ante o recuadíssimo 4-1-4-1/4-3-3 do Flamengo

Um execução primorosa dos três meias no 4-2-3-1 do Cruzeiro, ante o recuadíssimo 4-1-4-1/4-3-3 do Flamengo

Com a lesão de última hora de Mayke, o retorno de Souza e a manutenção de Willian entre os onze iniciais, Marcelo Oliveira enviou a campo o seu famigerado 4-2-3-1, capitaneado pelo goleiro Fábio e com a linha defensiva formada por Ceará à direita, Egídio à esquerda e Dedé e Bruno Rodrigo — jogando com efeito suspensivo. Na proteção, Nilton e Souza não só marcavam como também ajudavam o setor de destaque do time, o trio de meias. Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart e Willian foram sensacionais na execução da linha de três, bagunçando o desenho com muita movimentação e inversões. Sorte de Borges, que teve bastante munição, apesar de ter desperdiçado.

Mano Menezes, que há menos de um ano era técnico da Seleção, deve ter visto alguns jogos do Cruzeiro. Por isso mudou algumas peças, mas sem abrir mão do 4-3-3 que vem adotando, que neste blog gosto de chamar de 4-1-2-3. Neste caso, porém, o Flamengo parecia muito mais um 4-1-4-1, e às vezes até um 4-5-1 mesmo, com os cinco do meio campo em linha, tal o recuo dos jogadores para proteger-se do volume ofensivo imposto pelo Cruzeiro. O gol de Felipe foi protegido pelos zagueiros Chicão e Marcos González, com Luiz Antônio na lateral direita e o zagueiro Samir na esquerda. Victor Cáceres era o volante entre as linhas, com Elias e André Santos mais avançados e flanqueados por Gabriel e Fernando. Na frente, Marcelo Moreno era o centroavante solitário.

Saída de bola

Depois de um início que parecia equilibrado, com o Flamengo inclusive tendo uma posse de bola longa demais, aos poucos o Cruzeiro foi tomando as rédeas do jogo, e o time carioca foi inconscientemente recuando cada vez mais, até que Marcelo Moreno, o homem mais avançado, estava atrás da linha do meio-campo, à frente de Nilton e Souza. O fama da equipe celeste certamente contribuiu, e assim o Flamengo tinha seus onze jogadores em um espaço de trinta metros, a famosa compactação que muitos técnicos atuais pedem.

Mas isso não foi um problema para o Cruzeiro, que saía com qualidade pelas laterais. Pois Gabriel e Fernando, os jogadores abertos do Flamengo, esperavam os avanços dos laterais para marcar ao invés de fazer pressão no alto do campo. E quando Ceará e Egídio avançavam até a intermediária, os flamenguistas não os acompanhavam, e assim os laterais do Flamengo ficavam sobrecarregados e a bola chegava com facilidade à frente.

Intensidade com a bola

Some-se a isso o fato de Willian, Ricardo Goulart e Everton Ribeiro se movimentavam bastante, invertendo de lado, e estavam sempre muito próximos uns dos outros, oferencendo linhas de passe quando preciso e abrindo espaços para os companheiros, principalmente os volantes e laterais. Além disso, Goulart — ou o meia que estivesse centralizado no momento, tal a movimentação — flutuava sua posição para fugir da marcação de Cáceres, que ficou perdido sem saber a quem acompanhar.

Flagrante de um dos momentos do jogo onde os três meias estavam fora de suas posições “oficiais”

Assim foi a maior parte do primeiro tempo, com posse de bola celeste, mas o Cruzeiro também jogou bem em outra fase da partida: a transição ofensiva. Se o Flamengo ameaçasse subir um pouco suas linhas para iniciar um ataque, logo que a bola era roubada o Cruzeiro já partia em velocidade, tentando pegar a defesa desprevenida, mas sem conseguir concatenar bons passes.

E também sem a bola

E, nos pequenos períodos em que não tinha a bola nos seus pés, o Cruzeiro marcava o Flamengo impiedosamente. Impressionou a participação de todos os jogadores no trabalho defensivo: seja na disposição de Borges correndo para pressionar os zagueiros flamenguistas, seja Willian roubando não uma, mas sim DUAS bolas praticamente dentro da área do Flamengo. Até Everton Ribeiro, que normalmente não faz parte do trabalho de marcação, foi visto dentro da própria área interceptando passes e roubando bolas do lateral-zagueiro Samir, nas raras vezes em que este se aventurou ao ataque. Um indicativo excelente de que o time soube “mudar a chavinha” da competição, sabendo que este jogo era bem mais decisivo que os jogos de temporada normal do Brasileirão. Ou seja, amadurecimento de equipe.

E assim, como um organismo vivo de metabolismo muito alto, o Cruzeiro jogou praticamente sozinho na primeira etapa, finalizando de todas as formas: cabeceios em bola parada, chutes longos e curtos, e com vários jogadores. De acordo com a Footstats, Dedé (2), Everton Ribeiro (3), Nilton, Ceará, Borges, Willian (2), Egídio e Ricardo Goulart arremataram. Por isso tudo, o gol de Willian aos 26 — fazendo o esperado de um ponteiro que está do lado oposto da jogada: entrando na área para concluir — em jogada de Ceará foi o tento solitário de 45 minutos de um massacre tático.

As conclusões do Cruzeiro (Footstats): bolinhas = gols, azul escuro = finalizações certas, azul claro = finalizações erradas

As conclusões do Cruzeiro (Footstats): bolinhas = gols, azul escuro = finalizações certas, azul claro = finalizações erradas

O golaço

Supreendentemente, Mano Menezes não quis trocar peças nem o sistema, preferindo pedir outra atitude ao seu time. E em certa medida, isso aconteceu, mas também porque o Cruzeiro já não aplicava tanta intensidade quanto antes — o que é esperado depois de um primeiro tempo em tão alta rotação. Algumas finalizações, mas nada que assustasse muito Fábio. Além disso, o Cruzeiro não diminuiu a produção ofensiva, finalizando com Borges em passe magistral de Goulart e com Bruno Rodrigo cabeceando na trave um centro de Willian.

E se os contra-golpes não haviam encaixado no primeiro tempo, no segundo só precisou de um para fazer valer a anuidade do Sócio do Futebol. Bola aérea de escanteio contra repelida, Everton Ribeiro passa a Ricardo Goulart. É possível reparar no lance que Goulart olha para o ataque antes de correr atrás da bola. Ele não precisava ver se Ribeiro estaria naquele espaço vazio, ele sabia que sim — entrosamento. Quando a bola chega, Ribeiro chapela o pobre Luis Antônio, fazendo cobertura do lado contrário, e sem deixar a bola cair, solta um petardo praticamente dentro da pequena área que deixou Felipe pregado no chão, sem reação.

Trocas e Júlio

Este lance antológico foi logo aos 10 minutos, e o jogo já estava controlado. Tanto o Flamengo se retraiu novamente tentando evitar uma possível goleada, quanto o Cruzeiro arrefeceu e começou a cadenciar. Mesmo assim, tinha muito mais a bola. Mano Menezes, então, tentou mudar esse panorama lançando Carlos Eduardo na vaga de Gabriel, na mesma ponta direita. Logo depois, Marcelo promoveu a estreia de Júlio Baptista, colocando o novo 10 na vaga de Willian. Com isso, Goulart foi ser o ponteiro esquerdo “oficial”, com Júlio indo para o centro.

Mas o recém-contratado estava com pouco ritmo e “congelou” a movimentação do meio-campo celeste. E quando Nilton se viu sem opção de passe, perdeu a bola que originou o gol carioca. Acho que todos os analistas que vi comentarem sobre a partida atribuíram ao gol sofrido a queda de produção do Cruzeiro, mas eu discordo. Foi a entrada de Júlio a principal causa. Não dá pra trabalhar com hipóteses, mas talvez se a entrada de Júlio fosse um pouco depois, esse lance nem teria acontecido, ou mesmo se acontecesse, o Cruzeiro teria mais volume para tentar aumentar a conta.

Mano mandou João Paulo na vaga de Fernando logo após o gol, mantendo-o como ponteiro esquerdo, mas logo tirou Samir e lançou Paulinho, recuando João Paulo para a lateral esquerda. No Cruzeiro, Goulart e Borges deram seus lugares a Luan e Vinicius Araújo. Mas Marcelo não deu muita sorte, e Luan acabou se lesionando logo após entrar, praticamente apenas fazendo número. Não só isso matou uma possível chance de aumentar o placar para o Cruzeiro como fez o Flamengo ter mais a bola, mesmo sem levar muito perigo a Fábio.

O Brasil descobriu o Cruzeiro

Aparentemente Marcelo encontrou a formação titular com estes três meias. Apesar de estar apagado contra o Vitória, Willian foi muito bem ontem. Goulart e Ribeiro estão demonstrando um entrosamento espetacular. E os três juntos fizeram um fuzuê na defesa carioca: willian esteve pela direita e pela esquerda, Goulart saía do centro para as pontas, e Ribeiro circulava nas três.

Mas só isso não seria suficiente para que o Cruzeiro jogasse em tão alto nível. O time celeste foi superior em todas as fases do jogo, não só na posse de bola. Recompunha-se com intensidade, com todos os jogadores trabalhando defensivamente; contra-atacava com velocidade, apenas precisando acertar mais passes nesse momento; e na posse de bola adversária, destaque para Nilton e Souza — que partida fizeram os dois volantes. Não seria exagerado dizer que, nestes cinco jogadores, o Cruzeiro talvez conte com um dos melhores meio-campos do Brasil.

A partida de ontem, certamente uma das mais assistidas, certamente mostrou o potencial do Cruzeiro para todo o Brasil. Quando até os velhos analistas começam a dizer que tem gosto de ver o Cruzeiro jogar, quando Mayke é especulado na seleção ao invés de Maicon para a reserva de Dani Alves, e quando Everton Ribeiro é assunto mundial, é sinal de que algo grande está acontecendo aqui. Agora o Cruzeiro é o time a ser batido, mesmo não sendo o atual líder do Brasileirão.

Mas nós cruzeirenses já sabíamos disso tudo.

Fluminense 1 x 0 Cruzeiro – Sem capitalização

Em uma das crônicas do excelente Zonal Marking, blog de análise tática do jornalista Michael Cox, li que um dos times analisados pecou por não ter “capitalizado” o domínio que teve no primeiro tempo, e por isso perdeu a partida. Gostei do termo, e por isso replico no título desta análise, pois foi exatamente isso o que aconteceu na estreia cruzeirense no novo Maracanã contra o Fluminense.

Capitalizar é, a grosso modo, juntar mais dinheiro ao dinheiro investido. Também tem o sentido de agrupar, reunir. Traduzindo para o futebol, o “investimento” seria dominar a posse da bola e finalizar bastante, e o “retorno”, ou os “juros”, seriam os gols. Pois mesmo asfixiando o time carioca no seu próprio campo com a intensidade que lhe é característca na recomposição, o Cruzeiro não conseguiu vencer Diego Cavalieri — ou a trave — quando finalizou no primeiro tempo, e depois, com a partida já mais equilibrada, sofreu um gol que definiu a partida.

Escretes e sistemas

Contra o losango do Flu, o 4-2-3-1 cruzeirense teve muito espaço pelas laterais, e compensava a inferioridade no centro com intensidade na recomposição

Contra o losango do Flu, o 4-2-3-1 cruzeirense teve muito espaço pelas laterais, e compensava a inferioridade no centro com intensidade na recomposição

Marcelo Oliveira repetiu o time das últimas partidas e mandou a campo o seguinte onze: Fábio no gol, Dedé e Bruno Rodrigo no miolo da linha defensiva, com Mayke e Egídio fechando pelas laterais direita e esquerda. Nilton e Souza se alinharam à frente da zaga, dando suporte para Ricardo Goulart no centro do meio-campo ofensivo, que ainda tinha Everton Ribeiro pela direita e Luan pela esquerda, todos tendo como alvo o garoto Vinicius Araújo à frente. Ou seja, o mesmo 4-2-3-1 se sempre.

Já o Fluminense do estreante Vanderlei Luxemburgo abandonou o 4-2-3-1 que Abel Braga implantou durante dois anos no time carioca, e se postou no esquema preferido de Luxa: o 4-3-1-2 losango. Foi com este esquema que ele venceu a Tríplice Coroa em 2003 (um tempo bom, que voltará). O goleiro Diego Cavalieri teve Jean na direita, Carlinhos na esquerda e Gum e Leandro Euzébio na zaga. Edinho era o volante plantado, com Wagner pela esquerda levemente mais avançado e Diguinho pela direita, mais combatendo do que saindo pro jogo. Tudo isso para liberar Deco, o meia armador, com Rafael Sóbis se movimentando à frente e Fred como referência na área.

Encaixes

Tipicamente, no encontro de um 4-2-3-1 contra um losango, um dos times tem mais amplitude no ataque, dominando as ações pelos lados, enquanto o outro tem mais número na faixa central e por isso domina a posse de bola no setor. Na prática, porém, o Cruzeiro dominou os lados como esperado, mas também o meio-campo, com uma postura bem enérgica principalmente na transição defensiva, também conhecida como recomposição — uma das quatro fases do jogo, sendo as outras três posse de bola, posse do adversário e transição ofensiva, o famoso contra-ataque.

Além disso, sem jogadores abertos no ataque, o Fluminense deu liberdade aos laterais cruzeirenses, que são atualmente a melhor saída de bola do time. Na tentativa de frear estas ações — e talvez por estar acostumado a jogar no 4-2-3-1 duranto muito tempo, como o próprio Luxemburgo disse — Wagner e Diguinho abriam, saindo do meio-campo central, tirou a vantagem numérica que o Fluminense teoricamente teria por ali. Assim, o Cruzeiro não só teve melhor saída como também teve mais posse de bola.

O grande perigo seria Deco. Solto, o meia poderia sempre dar uma opção de passe para que o Fluminense saísse construindo o jogo de trás, e uma vez recebida a bola, achar um companheiro mais colocado. Porém, não só Deco não conseguia receber a bola devido à intensidade na marcação sobre a bola dos homens de frente do Cruzeiro, como também não tinha boas opções quando de fato tinha a posse em seus pés. Portanto, ou ele fazia um passe sem verticalidade ou errava o passe.

Tudo isso foi deixando o time da casa nervoso e o Cruzeiro mais à vontade, criando bastante e finalizando com frequência, mas sem eficiência. Um perigo neste tipo de jogo, onde o adversário tem qualidade mas está passando por um mau momento. Um gol no primeiro tempo — que seria merecido pelo que aconteceu na partida — deixaria o Cruzeiro muito mais tranquilo e o Fluminense bem mais pressionado.

Felipe

O domínio durou até os 35 minutos, quando ainda no primeiro tempo Deco deu seu lugar a Felipe. A princípio pensava-se ser por opção técnica, mas depois saiu a informação de lesão na coxa do luso-brasileiro. Conveniente, pois a substituição melhorou o Fluminense, equilibrando um pouco mais a partida. O Cruzeiro ainda era melhor, mas já não dominava as ações com facilidade.

O Fluminense melhorou porque Wagner foi ser o vértice avançado e Felipe o esquerdo do losango de meio-campo. Basicamente, o principal passador do time, que antes era Deco, havia sido deslocado pra trás, com Felipe. Com uma opção melhor já no primeiro passe, o Fluminense conseguiu trocar mais bolas e chegar à frente pelo chão com mais frequência. Também, ao perder a bola, Wagner ia bater com Mayke, abandonando o meio-campo central, enquanto Sóbis abria pela direita para frear Egídio, encaixando a marcação com Nilton, Souza e Goulart no triângulo de volantes cariocas — o losango se transformava num 4-3-3 ao defender.

Porém, o Cruzeiro ainda tinha mais intensidade na recomposição, e por isso ainda era um pouco melhor na partida. Mas o zero a zero persistiu, e o resultado só não foi mais injusto porque o pênalti inexistente sobre Wagner foi defendido brilhantemente por Fábio, vencendo Fred duas vezes.

Segundo tempo

Sem trocas, o jogo seguiu mais equilibrado após o intervalo. Como é natural, o Cruzeiro já não pressionava tanto o homem da bola como no início do jogo. Aos 17, Marcelo começou o jogo de xadrez contra Luxa, tirando Luan para lançar William. O recém-chegado da Ucrânia foi, a princípio, jogar no mesmo local, pela faixa esquerda. O estilo, porém, é bem diferente: enquanto Luan é mais físico e brigador, William é mais veloz e driblador. Além disso, William não faz tão bem a marcação do lateral quanto Luan.

Após as trocas, a marcação ficou mais "encaixada", mas os ponteiros cruzeirenses não acompanhavam os laterais do Fluminense, que ainda tinha mais qualidade de passe no meio-campo com Jean e Felipe

Após as trocas, a marcação ficou mais “encaixada”, mas os ponteiros cruzeirenses não acompanhavam os laterais do Fluminense, que ainda tinha mais qualidade de passe no meio-campo com Jean e Felipe

E foi nisso que Luxemburgo apostou quando, quatro minutos depois, tirou Diguinho do meio, colocou o garoto Igor Julião na lateral direita e avançou Jean para a sua posição original. O Fluminense, que já ganhava o meio-campo a essa altura, teve ainda mais qualidade no passe, já que Jean tem bem mais criatividade que Diguinho, um jogador praticamente apenas de combate. E na lateral, o garoto Julião foi bem voluntarioso, ultrapassando pela direita e dando opção no ataque sem medo de deixar William às suas costas.

O jogo ficou aberto e chances apareceram de lado a lado, a mais perigosa numa jogada de dribles rápidos de Egídio — o que vem sendo sua especialidade. O lateral avançou até o círculo central com a bola, dando de calcanhar para Everton Ribeiro que chutou no cantinho, para boa defesa de Cavalieri.

Luxemburgo quis dar ainda mais consistência a seu lado direito, colocando o garoto Kennedy aberto por aquele lado no lugar de Wagner e invertendo Rafael Sóbis para a esquerda, oficializando o 4-3-3 (ou 4-1-2-3). Marcelo respondeu com Lucca na vaga de Vinicius Araújo, avançando Ricardo Goulart para o ataque e centralizando Everton Ribeiro — Lucca e William passaram a alternar pelos flancos.

O feitiço contra o feiticeiro

Mas Everton Ribeiro, William e Lucca não guardavam suas posições, tentando naturalmente confundir a marcação carioca. De certo modo funcionava, mas compromentendo a recomposição. Com Felipe e Jean no meio, o Fluminense inverteu as jogadas de lado com mais facilidade e por várias vezes Carlinhos e Julião, os laterais adversários, tiveram campo para avançar e ajudar no ataque — numa inversão do que acontecia no início da partida. O castigo veio exatamente em passe de Felipe para Carlinhos totalmente livre na esquerda, já que Mayke estava compondo com os zagueiros dentro da área. O cruzamento foi errado, mas a defesa celeste errou ao deixar tanto Kennedy quanto Fred sem marcação — o primeiro errou a finalização mas acabou passando sem querer a Fred, que concluiu de cabeça para o gol.

Logo depois desse momento, Carlinhos apareceria na imagem para receber o passe de Felipe, mas sem William em seu encalço

Logo depois desse momento, Carlinhos apareceria na imagem para receber o passe de Felipe, mas sem William em seu encalço

E, da mesma forma que no primeiro tempo um gol traria tranquilidade ao Cruzeiro, o Fluminense se acalmou e se contentou e fechar as investidas celestes, que já não eram tão perigosas. O cabeceio de Ricardo Goulart sozinho dentro da área, completando escanteio da direita, foi pra fora, decretando a segunda derrota injusta do Cruzeiro neste campeonato.

Só no futebol

É claro que perder é ruim em qualquer circunstância. Porém, diferentemente dos últimos dois anos, a derrota foi um capricho do futebol, o famoso “quem não faz leva” — que se não fosse um pouco verdadeiro não seria um chavão — e não porque o adversário foi superior. Parece loucura dizer uma coisa dessas, mas o mais importante não foi o placar, e sim que o time demonstrou consistência tática, tanto defensiva quanto ofensivamente.

Bom, pelo menos enquanto os titulares estiveram em campo. As mexidas de Marcelo Oliveira desta vez não funcionaram tão bem, principalmente a saída de Luan, que afrouxou um pouco a marcação pela esquerda. Talvez aqui tivesse faltado um pouco de variação tática, quem sabe um 4-3-1-2 losango ou um 4-3-3 clássico, pra anular um pouco a qualidade de passe que o meio-campo do Fluminense ganhou com a entrada de Felipe. Luxemburgo venceu o duelo desta vez, pois fez uma melhor leitura da partida.

Mas pedir variações táticas dentro da mesma partida, e ainda com jogadores que jogaram pouquíssimo junto com os titulares — Lucca voltando de contusão e William recém-chegado — de um time ainda eu seu primeiro ano talvez seja demais. Assim, a confiança ainda permanece. Afinal, a derrota veio em uma circunstância da partida, que poderia ser totalmente diferente se o domínio no primeiro tempo fosse transformado em gols.

Enfim, esse é o futebol: nele, e só nele, o melhor pode perder uma partida.

São Paulo 0 x 3 Cruzeiro – Truque de cartola

Como todos sabem, o futebol foi inventado na Inglaterra no fim do século XIX, durante o reinado da Rainha Vitória. Este período ficou conhecido como a Era Vitoriana, um tempo de prosperidade para o Reino Unido. E também nesta época foi cunhado o termo “hat-trick” (truque de cartola, numa tradução livre), referindo-se a um truque no qual um mágico tirava três coelhos de uma cartola posta sobre uma mesa. No ludopédio, a expressão passou a ser usada quando um jogador marca três vezes na mesma partida.

E foi o que Luan fez sábado à noite no Morumbi. Porém, ao contrário do que sugere a etimologia, o hat-trick de Luan não foi mágico e nem truque, e sim fruto de competência celeste e incompetência do time paulista.

Onze inicial

No primeiro tempo, um 4-2-3-1 propositalmente sem intensidade mas com espaços pela esquerda nas costas de Everton Ribeiro

No primeiro tempo, um 4-2-3-1 propositalmente sem intensidade mas com espaços pela esquerda nas costas de Everton Ribeiro

Marcelo Oliveira voltou com seus titulares poupados, com Luan pela esquerda, Everton Ribeiro na direita e Ricardo Goulart por dentro, atrás de Vinicius Araújo. Na volância, Nilton cada vez mais acostumado a ser primeiro volante, e Souza, saindo mais para o jogo. E mais atrás, Mayke e Egídio fechavam os lados da zaga com Dedé e Bruno Rodrigo, todos capitaneados por Fábio no gol — o 4-2-3-1 de sempre.

Paulo Autuori, em início de trabalho, preferiu repetir o time que perdeu a Recopa Sulamericana para o Corinthians. O São Paulo se postou num 4-2-3-1 muito parecido com o cruzeirense, com Jádson caindo pela direita mas centralizando na posse, procurando Ganso, e Osvaldo partia da esquerda e se aproximava de Luís Fabiano na frente, fazendo o time ficar com uma cara de 4-2-2-2. O goleiro Rogério Ceni teve uma linha defensiva composta por Lúcio e Rafael Tolói, com Douglas na lateral direita e Clemente Rodriguez do outro lado, e Denilson e Rodrigo Caio como volantes, este último caindo muito mais à esquerda.

Estratégias defensivas

No início, faltou um componente fundamental para que um futebol moderno e envolvente aparecesse: a intensidade. Pois o Cruzeiro tirou de propósito o ritmo da partida, marcando com muita segurança. A ideia de Marcelo Oliveira, como ele mesmo explicou depois do jogo, tinha dois propósitos: enervar a torcida adversária, tentando aproveitar o mau momento do São Paulo, e usar da melhor condição física no segundo tempo, já que no meio de semana os titulares não jogaram e o São Paulo passou por uma decisão.

Assim, nem o Cruzeiro marcava por pressão na frente, como lhe é característico, e nem o São Paulo, que por viver um mau momento, preferiu se retrair para não sofrer gols e causar ainda mais impaciência em seu torcedor. Após duas chances criadas no início, o Cruzeiro segurou o São Paulo com tranquilidade, e só fez Fábio trabalhar aos 27 minutos, em erro num bote de Egídio que deixou os zagueiros no mano-a-mano.

O lado direito

O único setor onde o São Paulo poderia ter ameaçado mais era o lado direito, nas costas de Everton Ribeiro. Quando a jogada era pelo lado esquerdo, o meia ficava muito próximo para encurtar o espaço. Virada de jogo, e Clemente Rodriguez achava muit espaço para avançar. Não era raro ver Everton Ribeiro correndo em diagonal de volta a seu campo para não sobrecarregar Mayke à frente contra Osvaldo e Clemente Rodriguez.

Felizmente, o nosso jovem lateral direito fez mais uma partida estupenda na marcação. Parece que ele vem aprendendo com Ceará e tem segurando o seu ímpeto ofensivo natural para recompor com muita propriedade a linha defensiva. Osvaldo, que é uma das principais válvulas de escape da equipe paulista, foi muito bem marcado enquanto esteve jogando aberto pela esquerda. Em um determinado momento, Osvaldo passou a compor uma dupla de centroavantes ao lado de Luís Fabiano, por ordem de Paulo Autuori, e Mayke virou quase um zagueiro de área, novamente exercendo bem a função defensiva.

Portanto, com Mayke mais preso, era natural que o Cruzeiro tentasse atacar mais pelo outro lado, mas Rodrigo Caio caía por ali e cobria Jádson, que também voltava com Egídio, congestionando o setor. Ricardo Goulart aparecia para o jogo, mas cadenciava ao invés de dar velocidade — provavelmente a pedido de Marcelo Oliveira. O primeiro tempo acabou com a sensação de que, tivesse o Cruzeiro acelerado um pouco mais, teria conseguido vencer sem dificuldade a defesa tricolor.

Etapa final

Não houve trocas no intervalo, mas houve mudança na postura do São Paulo, talvez encorajada pela estratégia cruzeirense de se poupar no primeiro tempo. O time da casa acelerava o jogo quando o Cruzeiro errava, tentando pegar a defesa celeste saindo para o ataque. Conseguiu assustar duas vezes, a primeira em passe de Ganso para Jadson chutar em cima de Fábio, e a outra quando Egídio avança e erra o passe, abrindo espaço às suas costas que Jádson aproveitou, recebendo novo passe de Ganso e cruzando perigosamente para dentro da área. Bruno Rodrigo resvalou e Fábio salvou novamente.

Logo depois, Luan abriu a contagem em cruzamento despretensioso de Mayke. Mérito do atacante, que acertou um lindo chute de primeira no ângulo de Rogério, prevendo o erro de Douglas, que pulou no tempo errado. O gol esfriou o ímpeto são-paulino, e o Cruzeiro passou a controlar a partida, perigosamente. Aloísio entrou na vaga de um inoperante Luís Fabiano, dando mais velocidade ao ataque. Duas chances aconteceram para o time da casa: Dedé errou o tempo da bola, que sobrou para Jádson cruzar e Fábio salvar nos pés de Aloísio; depois, Bruno Rodrigo arriscou uma linha de impedimento que deu errado, deixando Aloísio entrar na cara de Fábio. Assustado com a grandeza de nosso arqueiro, o atacante chutou pra fora.

Aula de contra-ataques

Com Martinuccio, Luan foi para o centro e o time se postou num 4-2-3-1/4-4-1-1 armado para contra-atacar

Àquela altura, Lucca já havia entrado na vaga de Ricardo Goulart, indo para a direita e mandando Everton Ribeiro para o centro. Mas foi a segunda substituição que mudou a partida: Everton Ribeiro deu seu lugar a Martinuccio, empurrando Luan para o centro, quase num 4-4-1-1. A ideia era clara: usar a velocidade dos dois ponteiros para puxar contra-ataques e matar o jogo, e no primeiro lance isso já aconteceu. Martinuccio lançou Vinicius Araújo, que com muita visão de jogo passou para Luan ganhar na corrida e na força de Clemente Rodriguez e vencer Rogério Ceni.

Logo após o gol, Paulo Autori tentou suas últimas cartadas, tirando Osvaldo e Denilson e lançando Silvinho e Roni. Parecia um 4-1-2-3, com Roni mais avançado ao lado de Ganso, deixando Rodrigo Caio sozinho na proteção, e Jádson e Silvinho de ponteiros. Mas não deu tempo de dar certo, pois quase num repeteco, Martinuccio avançou com velocidade e Vinicius Araújo puxa a marcação brilhantemente para o lado, abrindo um clarão imenso para Luan. Martinuccio deu um passe curto demais, mas Luan ganhou a dividida com Rodrigo Caio, e ficou novamente de frente para Rogério Ceni. Com muita frieza, escolheu o canto e tirou o terceiro coelho da cartola.

A brilhante movimentação de Vinicius Araújo no terceiro gol, arrastando Lúcio e abrindo espaço para Luan

A brilhante movimentação de Vinicius Araújo no terceiro gol, arrastando Lúcio e abrindo espaço para Luan

Com o jogo resolvido, Marcelo Oliveira estreou o ex-CSA Leandrinho na vaga de Mayke, para dar rotatividade ao elenco, mas o jogador teve pouco tempo para mostrar seu futebol.

Riscos, evolução e rivalidade

A estratégia deu certo, mas foi arriscada. O São Paulo teve chances de abrir o marcador antes do Cruzeiro, e certamente se encastelaria para segurar a vitória que há muito não vem. O ideal seria dar velocidade e já abrir o placar no primeiro tempo, provocando a ira da torcida e enervando ainda mais o time adversário. O aspecto físico faria diferença de qualquer forma no segundo tempo.

Além disso, ainda há alguns problemas na defesa cruzeirense. Egídio erra muitos passes, alguns com o time avançando o posicionamento para começar a ofensiva, e Dedé e Bruno Rodrigo tem errado alguns fundamentos, proporcionando chances em demasiado para os atacantes adversários, principalmente Dedé, que tem se mostrado um tanto estabanado para dar o bote. Felizmente, a fase ruim do São Paulo ajudou a tirar a concentração dos atacantes na hora de concluir.

No entanto, a equipe vem mostrando que assimilou o jeito de jogar e parece estar bem confortável com o sistema — o que é surpreendente para um trabalho de apenas sete meses. Mayke vem agradando muito no quesito defensivo –o lateral foi o segundo melhor em campo de acordo com o WhoScored.com, atrás de Luan, por razões óbvias. E o ataque vem mudando com frequência sem perder a eficácia, mas ainda gostaria de ver Everton Ribeiro como nosso meia central. Com a provável chegada de Júlio Baptista, isso pode ser mais difícil de acontecer.

Agora é o Superclássico. Independentemente do resultado do meio de semana, será mais um bom teste para a equipe, o primeiro bom teste no Mineirão neste campeonato. Até agora, o Cruzeiro vem sendo aprovado em quase todos os grandes jogos. E, se continuar assim e melhorar pequenos pontos aqui e ali, com certeza será aprovado em mais um.

Cruzeiro 5 x 0 Atlético/GO – Bom, mas nem tanto

O Cruzeiro reencontrou o Mineirão com uma pentagoleada sobre o Atlético Goianiense, com gols de cinco jogadores diferentes, e praticamente garantiu passagem às oitavas da Copa do Brasil. Entretanto, o jogo não foi tão bom taticamente, mas o Cruzeiro soube aproveitar as fragilidades do adversário para marcar. Ao contrário do que muitas críticas que li em vários sites, não achei uma exibição exemplar.

Escretes iniciais

Com Diego mais próximo de Vinicius Araújo, Cruzeiro pressionou a saída dois goianos no primeiro tempo, mas sem qualidade de passe

Com Diego mais próximo de Vinicius Araújo, Cruzeiro pressionou a saída dois goianos no primeiro tempo, mas sem qualidade de passe

Marcelo Oliveira mandou o mesmo time que enfrentou a Portuguesa no fim de semana, no já usual 4-2-3-1: o gol de Fábio protegido por Dedé e Bruno Rodrigo, com Mayke na direita e Egídio fechando pela esquerda. Nilton mais plantado liberava Souza, que se juntava ao trio de meias: Everton Ribeiro vindo da direita pro centro, Diego Souza por dentro mas se aproximando de Vinicius Araújo na frente e Luan um pouco mais preso à faixa esquerda.

O Atlético Goianiense de Renê Simões também veio no 4-2-3-1, mas com o posicionamento mais fixo. O goleiro Márcio teve Diogo Campos à direita, Artur e Diego Giaretta na zaga central e Ernandes na esquerda. Na dupla volância, Dodó e Marino ajudavam João Paulo por dentro, que era flanqueado por Pipico na destra e Jorginho na esquerda, todos procurando o centro-avante Ricardo Jesus.

Pressão na frente

Diferentemente do que fez contra a Portuguesa, logo no início do jogo o Cruzeiro avançou a marcação e forçava ou o chute longo ou a saída de bola errada do time goiano. Mas, ao recuperar a bola, não sabia muito bem o que fazer com ela. O Atlético Goianiense aproximava suas linhas e dificultava a saída pelo chão, fazendo com que os zagueiros e volantes cruzeirenses trocassem passes sem ser incomodados. Souza até tinha tempo com a bola, mas não consguia achar alvos à frente. Diego e Everton Ribeiro, muito marcados, não tinham condições de receber os passes com tempo para pensar o jogo, e assim o trabalho ofensivo era forçado para os laterais. Egídio saía mais que Mayke no início do jogo, mas foi numa jogada pela direita que saiu o primeiro gol, logo aos 10 minutos, com Diego Souza.

Como é de praxe, o gol mudou o jogo. O Atlético Goianiense ficou menos tímido e, quando conseguia sair da pressão no alto do campo imposta pelo Cruzeiro, conseguia achar bolsões de espaço justamente atrás dos ponteiros, particularmente Everton Ribeiro, que não volta tanto com o lateral adversário como Luan faz do outro lado. Num desses lances, Pipico conseguiu iludir a marcação e chutar de dentro da área, em falha de posicionamento de Dedé.

Já o Cruzeiro não diminuiu o seu ritmo, mas pecava na hora de decidir entre acelerar e cadenciar o jogo. Na expectativa de pegar a defesa goiana aberta, o Cruzeiro muitas vezes errava um passe bobo, pois queria acelerar demais o jogo quando não era necessário, e rapidamente concedia novamente a posse de bola. Quando encaixava o passe, porém, chegava com facilidade sobre a lenta defesa goiana. Assim, mesmo sem fazer muita força e com alguns problemas coletivos, o Cruzeiro dominava a partida, fazendo ainda mais dois gols de cabeça em cobranças de falta pelo lado: uma pela esquerda, com Souza mandando na cabeça de Vinicius Araújo, e outra pela esquerda, com Egídio assistindo Dedé.

Segundo tempo

No intervalo, Renê Simões trocou Jorginho por Robston e Pipico por Juninho. Robston foi jogar mais perto de Dodó, fazendo um terceiro homem de meio-campo, e João Paulo foi ser ponteiro esquerdo. Já Juninho foi uma substituição direta, para tentar explorar sua velocidade nas costas de Egídio — um espaço que o lateral deixa e que já foi citado neste blog. O time visitante acabou se postando num 4-3-3 que virava 4-1-4-1 sem a bola, encaixando ainda mais a marcação no time celeste. Isso equilibrou o jogo, e o Cruzeiro já não domínio escancarado da posse de bola e nem tanto domínio territorial. Não houve muitas chances para cada lado, porém.

E se o jogo já estava morno com o 3 a 0, o quarto gol esfriou a partida de vez. Egídio contava com a entrega tática de Luan para continuar apoiando, e na primeira investida ao ataque, cruzou para Vinicius Araújo. Um erro de linha de impedimento da zaga goiana e um corta-luz involuntário do garoto fizeram a bola sobrar limpa para Everton Ribeiro completar para o gol vazio.

Com dez

Após a expulsão e as mudanças, o Cruzeiro se encastelou num 4-4-1 bem compacto que não deu chances para o adversário

Após a expulsão e as mudanças, o Cruzeiro se encastelou num 4-4-1 bem compacto que não deu chances para o adversário

Pouco tempo depois do gol, Bruno Rodrigo foi expulso ao disputar de carrinho uma bola que ele mesmo errou na saída. Um erro infantil para um zagueiro experiente e com o jogo já decidido. Antes das substituições de recomposição, Nilton recuou para a zaga, Diego Souza afundou pra segunda linha e os dois ponteiros se alinharam a ela, ensaiando o 4-4-1 que estaria por vir — o esquema padrão para jogar com dez homens. Os sacrificados foram Everton Ribeiro e Diego Souza, com Léo indo compor a zaga e Nilton retornando ao meio-campo, e Tinga entrando pela direita.

As linhas compactas do Cruzeiro eram mais que suficientes para Fábio se sentir seguro debaixo das traves. O Atlético Goianiense tinha mais a bola, naturalmente, mas não conseguia invadir a área para finalizar com mais qualidade — apenas chutes de longe eram tentados. Renê Simões ainda tentou lançar Caio na vaga de João Paulo, mas isso piorou o time, pois Caio foi jogar por dentro ao invés de ir pela esquerda, transformando o time num 4-3-1-2 losango. A regra padrão para se jogar contra dez jogadores é tentar abrir a defesa, com jogadores de ambos os lados, e o losango é um sistema conhecido por ser estreito. Ernandes bem que tentou apoiar, mas Tinga e Mayke seguraram bem as investidas do lateral esquerdo goiano.

Ainda sobrou tempo para Egídio roubar uma bola do zagueiro Artur e acertar um lindo chute de fora da área, completando a goleada. Mérito do lateral esquerdo, tão contestado pela torcida pela sua deficiência na marcação e por alguns passes afobados. Neste jogo, foi um dos principais jogadores em campo.

No fim, Marcelo Oliveira fez a última substituição, mantendo o 4-4-1 com Ricardo Goulart na vaga de Vinicius Araújo. A troca não foi só para o garoto ser aplaudido na saída, mas também porque Goulart consegue segurar mais a bola no pé ao invés de fazer pivô, limpando a jogada e cadenciando. Fosse para fazer pivô, o escolhido seria Anselmo Ramon, mas isso só faria sentido se os ponteiros fosse rápidos, coisa que Luan e Tinga certamente não são.

Um passo atrás

Estes dois jogos após a Copa das Confederações mostraram que o Cruzeiro perdeu um pouco do entrosamento conquistado até junho. É claro que as lesões de Dagoberto e Borges contribuíram para isso, mas o fator principal foi a chegada de Souza, um volante com características bem diferentes de Nilton e Leandro Guerreiro, que vinha sendo a dupla titular. Este era um problema que este blog já relatava no primeiro semestre, a falta de um volante passador. Pois bem, ele chegou, e com isso o time mudou sua característica. Ainda vai levar um tempo maior para o time se adaptar a isso.

Também é primordial que Marcelo Oliveira encontre uma solução para o pouco trabalho defensivo de Everton Ribeiro, e também para a cobertura de Egídio — ou fazer o lateral esquerdo treinar mais a defesa de seu setor. Hoje, estes são os setores que me parece mais vulneráveis na equipe celeste, e isso se tornará um problema ainda maior com a volta de Dagoberto, que não defende tanto quanto Luan.

E mais: com Dagoberto, Mayke e Souza, o time celeste passa a ter uma característica muito ofensiva, até um pouco desequilibrada, o que faz com que os passes errados sejam uma questão que deve ser resolvida o quanto antes. Não há problema em ter esta vocação para o ataque, desde que o time fique com a bola e seja atacado o mínimo possível — aí estão as filosofias de Barcelona e Espanha que não me deixam mentir. Errar um passe mais incisivo é normal, mas passes laterais e curtos não, e isso vem acontecendo com mais frequência que o aceitável.

Em suma, o meu desejo é que este passo atrás seja para que se dê dois passos pra frente depois. Sabemos que esta é a primeira temporada deste time, mas já tivemos algumas amostras de como a equipe pode render. A torcida do Cruzeiro já está esperando pelo menos uma vaga na Libertadores e/ou chegar longe na Copa do Brasil.

Objetivos possíveis, mas não fáceis de ser alcançados.

Atlético/PR 2 x 2 Cruzeiro – Futebol de lama

Abro a análise de hoje com a síntese do jogo que o técnico Marcelo Oliveira deu ao repórter do Premiere FC após a partida.

“Foram tempos distintos. O Atlético nos dominou no primeiro tempo, se adaptou melhor ao gramado — se é que posso chamar de gramado. Então foi chutão pra lá e pra cá, [o Atlético] aproveitou da bola parada e da segunda bola. E nós equilibramos no segundo tempo, fizemos alguns contra-ataques importantes, e desperdiçamos. Mas acho que ficou de bom tamanho, foi justo o empate.”

Marcelo fala de três fatores determinantes para o resultado de hoje: (1) o arremedo de gramado prejudica a execução de qualquer estratégia que não seja (2) a bola longa e a bola parada. E foi usando exatamente desse expediente que o Cruzeiro mudou a forma de jogar no segundo tempo e conseguiu (3) contra-ataques que poderiam resultar em mais três pontos.

Porém, há outros aspectos que também devem ser levados em conta.

Escalações

A grande distância entre os volantes e os meias e a sobrecarga pelo lado esquerdo dificultaram o jogo cruzeirense na primeira etapa

A grande distância entre os volantes e os meias e a sobrecarga pelo lado esquerdo dificultaram o jogo cruzeirense na primeira etapa

Marcelo mandou a campo o 4-2-3-1 de sempre, o que hoje pode ser considerado o time titular. A linha defensiva que protegia o gol de Fábio era formada por Dedé e Bruno Rodrigo na zaga, ladeados por Ceará à direita e Egídio do outro lado. Leandro Guerreiro e Nilton, este último ligeiramente mais avançado, faziam a proteção à área. Everton Ribeiro era o ponteiro direito, com a famosa tendência a centralizar e se juntar a Diego Souza, o meia central. Na ponta esquerda, Dagoberto ficava um pouco mais espetado e procurava se juntar a Borges, na frente.

O Atlético Paranaense do técnico Ricardo Drubscky entrou num 4-3-3 clássico, com um volante e dois meias (4-1-2-3). O gol de Weverton foi defendido por Léo na lateral direita, Manoel e Cleberson no miolo e Pedro Botelho à esquerda. Deivid foi o volante mais preso, liberando João Paulo e Everton para se juntarem ao ataque, formado por Ederson na ponta direita, Marcão centralizado e Felipe pela esquerda.

Terrestre x aéreo

O Cruzeiro tinha confiança que ia superar o péssimo estado do gramado tentando jogar da mesma forma de sempre: trocando passes, cadenciando e girando a bola. Mas o gramado venceu essa batalha prejudicando muito a estratégia celeste, simbolizada num lance em que Everton Ribeiro pega uma sobra de bola e passa a Borges. A devolução do camisa 9 foi boa, e Everton Ribeiro se posicionou de forma a esperar a bola que certamente chegaria em seus pés se o gramado fosse minimamente razoável, mas que ficou presa em uma poça de lama que freou sua trajetória, atrasando o que seria um excelente contra-ataque.

Já o Atlético não quis saber de transições pelo chão e jogava a bola longa pelo alto. Foi assim que o Atlético Paranaense chegava com facilidade à frente da área cruzeirense. Pra essa estratégia funcionar, entretanto, é preciso que o time atacante pegue a segunda bola. Chama-se de” segunda bola” a sobra da disputa de cabeça pelo alto, que é a “primeira bola” Quando treinadores falam que o jogo foi de primeira e segunda bola, eles querem dizer “disputas pelo alto e vamos ver quem pega a sobra”.

Descompactação

No Atlético, a ligação direta quase sempre procurava Marcão, que disputava na maioria das vezes com Dedé. Ele não ganhou muitas, mas a segunda bola era sempre do time da casa, isso porque os setores do Cruzeiro estavam muito espaçados. Marcelo queria a marcação no alto do campo, e quarteto ofensivo tentava fazer isso, mas a zaga e os volantes era pressionados pra trás pela bola longa, abrindo um clarão de Guerreiro e Nilton aos três meias. A segunda bola quase sempre caía por ali, e com isso os jogadores de meio do Atlético avançavam com a bola dominada quase sempre com pouca marcação.

Dois contra um

Mas a parte mais vulnerável do time era o lado esquerdo da defesa. Ricardo Drubscky certamente estudou o Cruzeiro e notou que o trabalho defensivo de Dagoberto por aquele setor não é tão intenso. Ele escalou Léo, um jovem lateral com muito ímpeto ofensivo e grande velocidade, e Ederson, também muito veloz e driblador. Sem Dagoberto para auxiliar na marcação, Egídio se viu sobrecarregado e precisou da ajuda constante dos volantes Nilton e Guerreiro. Em uma jogada específica é possível ver os dois volantes celestes jogando por aquele lado, deixando a direita e o meio totalmente desprotegidos.

Com essa dificuldade, o Cruzeiro cometia sucessivas faltas, deixando a oportunidade da bola aérea em sua própria defesa. Todos os fatores combinados originaram os gols da equipe da casa. Falta cometida por Guerreiro pela esquerda, bola na área, a defesa afasta mal e a bola volta. Sem marcação, do outro lado, o lateral esquerdo Pedro Botelho completou no canto de Fábio. Depois, mais uma falta pela esquerda, e desta vez Manoel completou a bola aérea em falha dos dois zagueiros do Cruzeiro, que subiram errado na bola e deixaram o zagueiro atleticano livre.

O feitiço contra o feiticeiro

Ainda no fim do primeiro tempo, o jovem Léo sentiu uma lesão e foi substituído pelo volante Derley na lateral direita. Isso representou um alívio imediato para Egídio, e também para Dagoberto, que agora não precisava voltar tanto já que Derley era muito mais marcador que Léo. Com menos pressão, Egídio começou a se aventurar mais na frente, e foi numa falta sofrida pelo lateral cruzeirense em tabela com Diego Souza — naquele momento pela esquerda, com Dagoberto pela direita e Everton Ribeiro no meio — que o empate começou a ser construído. Cobrança de Dagoberto, a zaga afasta mal e Dedé, de pé esquerdo, jogou mansinho para o gol.

No intervalo, Marcelo Oliveira percebeu que o jogo tinha que ser feio: muito mais físico do que técnico. Aproveitou a indisposição de Dagoberto para lançar Luan, muito menos driblador mas bem mais forte, pelo lado esquerdo do campo. O empate veio no primeiro toque do camisa 88 na bola, numa jogada que ilustra como o Cruzeiro teve que mudar sua estratégia de jogo. Logo na saída, bola longa para Luan disputar pelo alto. A bola sobrou pra Borges, que foi desarmado, mas depois também sobrou limpa para Luan completar de fora da área.

Taticamente mais preso àquele setor, Luan não só segurou Derley por ali como também voltava muito mais para marcar do que Dagoberto, praticamente anulando as investidas de Ederson pela direita do ataque atleticano. Com Egídio mais livre, era Ederson quem tinha que voltar, e com isso a situação se invertia: o lado esquerdo do Cruzeiro, direito do Atlético Paranaense, antes o caminho do gol para o time da casa, era agora vantajoso para o time celeste.

Contra-ataques

A entrada de Luan e o recuo da linha ofensiva ajudaram a resolver os problemas da primeira etapa e o Cruzeiro por pouco não conseguiu a virada

A entrada de Luan e o recuo da linha ofensiva ajudaram a resolver os problemas da primeira etapa, e o Cruzeiro por pouco não conseguiu a virada

O jogo de fato ficou bem mais feio, mais pegado e disputado, e com muito menos técnica. Celso Roth diria que era um jogo não para se jogar, mas para se “competir”. E o Cruzeiro entendeu bem isso, disputando cada bola e equilibrando a partida na base da força. O Atlético sentiu o empate e procurava ficar mais com a bola. Mas Marcelo Oliveira certamente pediu para seus homens de frente marcarem atrás da linha do meio-campo, e a aproximação dos setores compactou o time fechando todas as brechas. A segunda bola já não era sempre do time da casa, e não havia brechas por onde entrar.

Com o time mais recuado, o Cruzeiro chamava o Atlético a seu campo e partia em contra-ataques, quase sempre usando a bola longa para Luan ou Borges. Numa jogada, Egídio pegou uma segunda bola e achou Diego Souza pela esquerda, que fez o pivô e mandou a Borges sozinho na área. O cabeceio veio fraco, mas o lance ilustra como o Cruzeiro teve chances em jogadas de velocidade e pelo alto. Luan ainda teria mais duas oportunidades, e também Everton Ribeiro para decretar a virada, mas o placar insistiu no empate.

As outras trocas feitas pelos treinadores não alteraram as plataformas táticas nem as estratégias de jogo. Borges por Anselmo na referência, Everton Ribeiro por Ricardo Goulart na meia, mandando Diego Souza para a direita. No Atlético, as trocas foram diretas e simples, e o 4-3-3 se manteve até o fim.

Números e o “gramado”

Ao invés de fazer uma conclusão, darei aqui alguns números que provam como o Cruzeiro poderia ter saído com os três pontos se não tivesse errado tanto. Ambos os times acertaram 50% de suas finalizações, mas o Cruzeiro finalizou 18 vezes, contra 14 do Atlético. Considerando que o Atlético teve mais posse de bola (60% x 40%), o Cruzeiro foi mais eficiente e chegou mais ao gol adversário — fruto da estratégia do segundo tempo.

O site da ESPN Brasil também disponibiliza os números da Footstats de tempo de posse de bola por setor do campo. O Atlético passou 42,47% do tempo com a bola em seu lado direito, e o Cruzeiro 43,09%, mostrando como o jogo se concentrou naquele lado do campo. Também, o Cruzeiro foi a equipe que passou menos tempo em seu meio-campo do que nos setores de ataque e defesa nesta rodada, ilustrando bem o jogo de bola longa que o gramado permitia.

O jogo de hoje mostrou que o Cruzeiro tem capacidade de adaptação e elenco variado e heterogêneo, aspectos quase indispensáveis para se almejar o título. Por outro lado, também mostrou algumas falhas, como erros em bolas aéreas e algumas decisões estratégicas equivocadas, mas estes fatores foram causados mais pelo péssimo estado do campo do que propriamente pelo adversário.

Como acho difícil jogarmos novamente em um gramado tão ruim, o Cruzeiro ainda está muito credenciado ao título.