Palmeiras 1 x 2 Cruzeiro – Se vira nos 30

Você já deve ter ouvido em entrevistas pós-jogo alguns treinadores analisarem o jogo como “de dois tempos distintos”: quando um time domina as ações em uma etapa e o adversário faz o mesmo na outra. De certa forma, foi o que houve na tarde de domingo no Pacaembu, onde podemos dizer que o Palmeiras dominou 45 minutos de jogo e o Cruzeiro controlou os outros 45, mas não coincidiu com o primeiro e segundo tempos.

Arrasador na primeira meia hora, o Cruzeiro se viu forçado ao seu campo com o recuo de Mendieta para a volância palmeirense, e absorveu a pressão durante os quinze finais do primeiro tempo e também nos primeiros trinta do segundo. Depois, o time paulista cansou de tanta intensidade e o Cruzeiro equilibrou novamente as ações, mas apenas para controlar o relógio até o final.

Os dois onze

Até a saída de Eguren, o Cruzeiro empurrou o Palmeiras para sua intermediária com bons passes pelo chão, driblando a intensidade do 4-2-3-1 paulista

Até a saída de Eguren, o Cruzeiro empurrou o Palmeiras para sua intermediária com bons passes pelo chão, driblando a intensidade do 4-2-3-1 paulista

Marcelo Oliveira repetiu o time do triunfo contra o Vitória e armou o mesmo 4-2-3-1 costumeiro: Fábio no gol, Ceará e Egídio nas laterais e Manoel e Léo na zaga central; Henrique e Lucas Silva protegendo a área e dando apoio a Éverton Ribeiro, mais pela direita, Ricardo Goulart, peça chave do sistema, como central, e Marquinhos, teoricamente na esquerda mas se movimentando como nunca. Na referência, Marcelo Moreno.

Novidade no cenário de treinadores brasileiro, Ricardo Gareca, o cabeludo argentino, armou o Palmeiras também num teórico 4-2-3-1, em seu segundo jogo à frente do time paulista. O goleiro Fábio (impostor) foi protegido pelos zagueiros Lúcio e Tobio, estreante. Na direita, Wendel fechava a linha defensiva, e William Matheus fazia o mesmo do lado oposto. A proteção ficou inicialmente por conta de Renato e Eguren, com Mendieta sendo o elemento central do meio-campo. Diferente do Cruzeiro que tem um meia e um atacante como ponteiros, o Palmeiras tinha dois atacantes de ofício nas beiradas: Leandro e Diogo se movimentavam e invertiam a todo momento. Por fim, Henrique ficou mais centralizado à frente.

Intensidade

O jogo começou a mil por hora — para as duas equipes. O Palmeiras já demonstrava que iria correr muito já nos primeiros segundos, quando o Cruzeiro deu a saída e vários jogadores de verde partiram pra cima dos de azul para roubar a bola o mais rápido possível. Um pouco do que o Cruzeiro fazia no ano passado muito bem, e nesse ano tem feito mais esporadicamente e de maneira mais irregular.

Porém, diferente dos adversários celestes no ano passado, isso não deu muito resultado. Pois dessa vez quem recebia a pressão era um time treinado, que sabia tocar a bola por baixo e só apelava para a bola longa como último recurso. Além disso, é provável que a pressão alta seja uma novidade de Gareca para os jogadores palmeirenses, e ela tem que ser bem executada e ter sincronia para funcionar. Se não, um time técnico consegue dar a volta e achar o buraco na marcação.

Na outra ponta do campo, o Cruzeiro respondeu com intensidade ofensiva. Goulart e Ribeiro apareciam sempre, mas Marquinhos se destacou, aparecendo em todos os lugares do campo. Como na ponta direita, onde ganhou do zagueiro em jogo de corpo, deu um tapa com muita técnica para que a bola ficasse inalcançável para o adversário que fazia a cobertura, chegando com tranquilidade e visão de toda a área na linha de fundo, para fazer a assistência, que ainda teve um corta-luz de Moreno, para Goulart se consolidar como artilheiro do certame. E mal deu tempo de comemorar, pois Goulart já sofria falta do lado esquerdo do campo. Falta cobrada magistralmente por Marquinhos, que achou Manoel livre na área para ampliar.

Mendieta recua

Com a lesão de Eguren, Gareca lançou Felipe Menezes e recuou Mendieta, ganhando qualidade no primeiro passe e virando a batalha da posse no meio-campo

Com a lesão de Eguren, Gareca lançou Felipe Menezes e recuou Mendieta, ganhando qualidade no primeiro passe e virando a batalha da posse no meio-campo

A sequência de gols e o domínio das ações aconteceu também porque o Palmeiras não conseguia responder à altura. No meio-campo, Renato e Eguren tentavam marcar Goulart e os volantes celestes que subiram o posicionamento audaciosamente, alugando a intermediária palmeirense. Até dificultavam, mas quando o time da casa recuperava a bola, não conseguiam dar qualidade no primeiro passe. A bola voltava para o Cruzeiro e o ciclo se repetia.

Só quando Eguren se lesionou e Gareca foi obrigado a fazer uma troca que o Palmeiras reacendeu no jogo. Isso porque, ao invés de trocar um volante por outro, o treinador do Palmeiras ousou e lançou Felipe Menezes, meia, que foi jogar como central do 4-2-3-1. Com isso, Mendieta foi recuado para jogar ao lado de Renato, resolvendo o problema da saída de bola.

Com esse movimento, o Palmeiras ganhou o meio-campo de volta. Henrique e Lucas Silva, antes participantes ativos da construção ofensiva, agora não passavam de marcadores puros, com Lucas inclusive sendo amarelado. O jogo passou a ser jogado na outra intermediária e o Cruzeiro só se defendeu, apesar de Fábio não ser ameaçado até o fim do primeiro tempo.

A animação mostra a diferença nos locais de ação das duas equipes: antes da troca de Eguren por Felipe Menezes, concentração na intermediária palmeirense; depois, a ação passa a ser mais no campo celeste

A animação mostra a diferença nos locais de ação das duas equipes: antes da troca de Eguren por Felipe Menezes, concentração na intermediária palmeirense; depois, a ação passa a ser mais no campo celeste

Amarelos e trocas

Marcelo optou por Willian Farias na vaga de Lucas Silva, com medo de uma eventual expulsão. São jogadores muito diferentes: Lucas sai para o jogo e é responsável pelas inversões de bola para o lateral oposto, participando bem da construção. Willian Farias é somente um destruidor de jogadas, com menos qualidade de passe. Henrique, em teoria, seria o volante mais avançado, mas se ocupava com a marcação de Felipe Menezes e não conseguia sair. O resultado é que com a troca o Cruzeiro convidou ainda mais o Palmeiras à frente, que por sua vez aplicou ainda mais intensidade.

Tobio diminuiu em uma jogada de bola parada, e o gol animou os mandantes. A bola só ficava em pés verdes, com o Cruzeiro marcando e jogando pouco. Henrique, Egídio e Willian Farias receberam amarelos e aumentaram muito o perigo do jogo. O Palmeiras rondou a área, finalizava muito, mas sem qualidade. A rigor, Fábio só fez duas defesas, ainda que fossem pequenos milagres, cara a cara com os avançados de verde.

A linha do tempo mostra bem os períodos de domínio: até os 30, Palmeiras só chutou uma vez; e depois dos 30, apenas uma finalização celeste

A linha do tempo mostra bem os períodos de domínio: até os 30, Palmeiras só chutou uma vez; e depois dos 30, apenas uma finalização celeste

O preço da correria

Porém, não existe nenhum time no mundo que consiga manter o ritmo de marcação e a correria por 90 minutos. O Palmeiras conseguiu surpreendentes 75. Nos quinze minutos finais, a marcação já não era tão apertada, e o Cruzeiro pode enfim respirar um pouco mais. O domínio palmeirense não havia se transformado no empate, nem mesmo com Mouche e Érik nas vagas de Mendieta e Leandro, centralizando Diogo. Marcelo se limitou a fazer trocas defensivas, com Samudio na vaga do amarelado Egídio e mais tarde Tinga no lugar de Ribeiro, sem modificar a estrutura.

Sem tanta intensidade do lado paulista, o Cruzeiro equilibrou as ações levou o jogo até o final, controlando a pressão adversária. Tinga ainda teria chance de matar o jogo ao receber passe magistral de Goulart, mas faltou técnica para o cabeludo à frente do goleiro palmeirense. Felizmente, o gol perdido não fez falta.

Conclusões, conclusões

Os números do jogo acabam por explicar bem a partida. Este foi o segundo pior índice de posse de bola do Cruzeiro no campeonato, com 44,17%, maior apenas do que no clássico no Independência na quarta rodada (43,67%). No entanto, mesmo tendo mais a bola em seus pés, o Palmeiras trocou menos passes e com menos qualidade que o Cruzeiro: 347 (82,71% de acerto) contra 360 (87,50%). Isso demonstra a verticalidade do jogo, consequência direta da intensidade: o time paulista não quis ficar trocando bola entre seus zagueiros e cadenciar, nem deixava o Cruzeiro fazer isso.

Mas o que acabou fazendo a diferença no jogo foram as finalizações. Essa foi a partida em que o Cruzeiro menos finalizou contra a meta adversária: apenas 7 vezes. O Palmeiras atentou contra a meta de Fábio mais que o dobro: 15. Porém, a qualidade das conclusões foi inversa: dos 7 chutes celestes, 2 foram pra fora, 3 foram defendidos e 2 entraram. Já o Palmeiras só conseguiu converter um em gol, com Fábio defendendo outros três: nada menos do que 11 finalizações foram para fora. Um aproveitamento de apenas 26,67%, contra 71,43% celestes — o maior índice da rodada e de todo o campeonato até aqui.

Méritos e amadurecimento

De tempos em tempos falo aqui que não acredito em resultados injustos no futebol. Depois do jogo vi um famoso comentarista (que é palmeirense), cuja opinião respeito muito, dizer que o Palmeiras merecia o empate. Eu discordo. O Cruzeiro teve méritos de fazer dois gols durante seu período de domínio, e ainda teve chances para fazer mais. Já o Palmeiras só conseguiu um, também porque o Cruzeiro teve méritos em se defender.

Mas há que se ressaltar que o Palmeiras empurrou o Cruzeiro para seu campo com seus próprios méritos. Controlou os nervos depois de ficar dois gols atrás do time que é líder, ganhou a batalha da posse no meio-campo e pressionou. Errou muitos passes e finalizações, é verdade, mas isso também é parte do jogo. O Cruzeiro foi mais feliz nesses fundamentos, e talvez por isso tenha vencido, com justiça.

Portanto, não se trata de analisar a partida somente pelo lado celeste, dizendo que o Cruzeiro recuou demais. Há jogos em que isso não será opção do Cruzeiro, como estratégia para distanciar as linhas adversárias e ter espaço para o jogo rápido e rasteiro que lhe é característico. Por vezes, o adversário impõe esta intensidade — e isso acaba por testar o equilíbrio do time, que mostrou saber se defender bem diante de tal postura do Palmeiras. Também teve méritos em conseguir sair tocando pelo chão, com qualidade, diante da pressão alta dos paulistas, o que é animador.

Sintomas de um time mais maduro — e isso pode fazer a diferença em um certame tão difícil.

Cruzeiro 3 x 1 Vitória – O Mineirão voltou a ver bom futebol

Acabou a Copa e os trabalhos voltam no Constelações. Copa essa que, mesmo com o fiasco brasileiro, foi uma das melhores em termos técnicos e táticos que este blogueiro já viu. Só o Brasil mesmo ficou atrás nesses quesitos.

Mas como este blog fala só do Cruzeiro, vamos ao que interessa. Primeiro uma rápida análise dos reforços, e depois as notas sobre a volta do Cruzeiro ao nacional.

Reforços

O Cruzeiro não ficou parado durante o Mundial. Além dos amistosos nos EUA, o clube contratou o zagueiro Manoel, que estava no Atlético/PR, e os atacantes Marquinhos, do Vitória, e Neilton, do Santos.

Manoel é uma excelente contratação. Zagueiro técnico e com bom tempo de bola. Perfil ideal para zagueiros no time celeste. Se o Cruzeiro já tinha a melhor zaga titular do país, com Dedé e Bruno Rodrigo, agora passa a ter a melhor zaga reserva também. Apenas uma nota tática: dos quatro zagueiros, somente Bruno Rodrigo está acostumado a jogar pelo lado esquerdo. Todos os outros tem preferência em ficar mais próximos de Ceará ou Mayke, e de acordo com o observado nos amistosos nos EUA, a prioridade é de Dedé, depois de Manoel e depois Léo. Ou seja, Dedé sempre jogará pelo lado direito. Manoel só jogará pela esquerda se fizer dupla com Dedé, enquanto Léo só jogará pela direita se fizer dupla com Bruno Rodrigo.

Marquinhos e Neilton são jogadores com características parecidas. São atacantes ponteiros, velozes e leves, e em tese jogarão na linha de três meias do 4-2-3-1 preferido pelo time celeste, muito provavelmente pelo lado esquerdo, já que Éverton Ribeiro e Ricardo Goulart são incontestáveis quando estiverem disponíveis. Mas em caso de suspensão, também podem jogar pela direita. Marquinhos tem mais experiência, enquanto Neilton, acredito eu, veio para ser lapidado e se integrar lentamente. É mais uma contratação de longo prazo, acredito.

Retorno do Brasileirão

Quatro dias após a Alemanha levantar seu quarto caneco, era a vez do Cruzeiro continuar a busca pelo seu tetra. E não poderia haver um time melhor para a tarefa de exorcizar o Mineirão, palco do maior vexame da história da seleção nacional, do que o Cruzeiro, campeão brasileiro com futebol ofensivo e com sobras.

E, apesar do outro time vestir rubro-negro, como naquele fatídico dia, o Cruzeiro não fugiu à responsabilidade. Diante de um Vitória muito bem armado por Jorginho, conseguiu uma vitória difícil, mas que acabou por premiar o time que buscou o gol em detrimento da equipe que entrou apenas para se defender.

Escalações iniciais

Cruzeiro no tradicional 4-2-3-1 que encaixou na marcação do 4-1-4-1 do time baiano, com perseguições individuais a cada jogada

Cruzeiro no tradicional 4-2-3-1 que encaixou na marcação do 4-1-4-1 do time baiano, com perseguições individuais a cada jogada

Marcelo Oliveira lançou a campo o 4-2-3-1 tradicional, com o gol do capitão Fábio sendo protegido por Manoel e Léo Completando a linha defensiva, Ceará mais marcador pelo lado direito e Egídio mais apoiador pela esquerda, em acordo com as suas características. Henrique e Lucas Silva faziam o doblete no meio-campo defensivo, dando suporte ao trio criativo formado por Éverton Ribeiro, partindo da direita e circulando, Ricardo Goulart, o central mais móvel do Brasil, e Marquinhos, mais agudo pela esquerda mas invertendo com seus companheiros meias. Na frente, Marcelo Moreno segurava os zagueiros.

Já o Vitória de Jorginho veio para se defender com duas linha bem próximas e um volante entre elas — o famoso 4-1-4-1. A linha defensiva que defendia a meta de Wilson tinha Ayrton pelo lado direito e Danilo Tarracha pelo lado esquerdo, e Alemão e Kadu no miolo de zaga. Entre as linhas, Adriano fazia a “sobra do meio-campo”, formado por Caio à direita, José Welison e Josa mais centralizados e Richarlyson — ele mesmo — fechando o lado esquerdo. Na frente, solitário, Dinei era o único sem responsabilidades defensivas.

Encaixe

Como é possível ver no esquema acima, essas duas formações se encaixam perfeitamente no meio-campo, e nas duas pontas sempre a dupla de zaga fica contra o centroavante solitário, garantindo a sobra. Porém, a postura sem a bola dos dois times era diferente: enquanto o Cruzeiro subia a marcação e pressionava a saída baiana mais intensamente, o Vitória preferia deixar a dupla de zaga celeste trocar passes com liberdade.

Porém, assim que a bola chegava em outro jogador que não fosse Manoel ou Léo, um dos jogadores do time visitante subia para pressionar o homem da bola. Se o Cruzeiro saía pelos lados, Caio perseguia Egídio e Richarlyson rastreava Ceará; se fosse pelo meio, Josa pegava Henrique e José Welison marcava Lucas Silva. Mais à frente, o ponteiro direito — qualquer que fosse ele naquele momento — tinha a companhia constante do lateral Tarracha, o mesmo acontecendo com o outro lado. E na maioria das vezes, Goulart, que é mais frequentemente o central, tinha próximo dele o volante entrelinhas Adriano.

Esse encaixe todo fez com que o Cruzeiro demorasse a achar saídas boas com a bola no chão. Bolas longas não eram necessárias porque os zagueiros não eram pressionados, mas as bolas curtas tinha sempre marcação fortíssima. Percebendo isso, os meias começaram a voltar para buscar a bola no pé dos zagueiros e tentar começar a construção, mas mesmo assim os marcadores baianos abandonavam o seu posicionamento para persegui-los. Era um tipo de marcação em que cada um pega o seu e vai com ele até o final da jogada. Em outros termos, marcação por função, mas a partir do encaixe, se tornava individual.

Chances

Com pouco espaço entre as linhas, o Cruzeiro teve certa dificuldade para jogar. Quando acertou o primeiro passe, pecou na construção. Quando acertou na construção, falou o último passe, e quando conseguiu fazer tudo isso, pecou nas finalizações. Também porque Wilson jogou um bom primeiro tempo.

Mesmo sob forte marcação, Cruzeiro chutou 13 bolas contra Wilson no primeiro tempo; o Vitória só uma -- e de bem longe (fonte: Squawka)

Mesmo sob forte marcação, Cruzeiro chutou 13 bolas contra Wilson no primeiro tempo; o Vitória só uma — e de bem longe (fonte: Squawka)

Normalmente, quando fica difícil jogar, apela-se para a bola parada ou para o cruzamento. E de fato o Cruzeiro teve chances usando esses dois expedientes. Mas também conseguiu usando passes rápidos e envolvendo a defesa adversária. Mas as finalizações não foram boas, e o primeiro tempo acabou mesmo em branco, com o Cruzeiro tendo mais de 60% de posse de bola.

Segundo tempo e trocas

Jorginho gostou de performance defensiva de seu time, e talvez tenha até visto uma oportunidade de vencer em uma bola, e por isso liberou um pouco mais seus jogadores para avançar. Calhou de o Cruzeiro também ter mudado a estratégia, recuando as linhas para espaçar o time baiano e tentar jogar com mais espaço. Por isso, no início da segunda etapa, vimos um Vitória com mais volume e um Cruzeiro mais defensivo.

Mas somente a estratégia baiana parecia ter funcionado. Se o Vitória não incomodava Fábio, rondava perigosamente com a bola perto de sua área, e uma falha defensiva poderia ser fatal. Mas ao recuperar a bola o Cruzeiro errou muitos passes e não conseguia dar prosseguimento.

Marcelo tentou colocar Dagoberto na vaga de Marquinhos para ver se a nova estratégia surtia efeito, mas o jogo voltou ao padrão do primeiro tempo: o Vitória recuou novamente as linhas e esperava o erro celeste. Jorginho quis arriscar um pouco mais, jogar por uma bola, e colocou um jogador mais veloz e ofensivo do lado esquerdo, Vander, na vaga do marcador Richarlyson, mas o sistema não se alterou.

Um gol muda o jogo

Justo quando o técnico celeste se preparava para mudar o sistema, abrindo mão de Lucas Silva para lançar Marlone e aproximar Éverton e Goulart no centro, efetivamente transformando o time num 4-3-3, Alemão marcou contra. A substituição foi cancelada, porque era necessário ver como o jogo ser apresentaria a partir deste gol.

E, como era esperado, o Vitória se lançou um pouco mais à frente para buscar o empate, e isso acabou por facilitar a vida dos meias celestes. Com espaço, conseguiram jogadas que mataram o jogo: Éverton Ribeiro achou Egídio, que cruzou e a bola encontrou a cabeça de Ricardo Goulart, o elemento surpresa que a zaga baiana não esperava estar ali. Depois, Goulart recebeu passe de frente para o gol já na intermediária ofensiva e com espaço, coisa que não havia acontecido até ali, e com um toque por cima, encontrou Ribeiro avançando. O meia matou no peito e bateu da entrada da área, vencendo finalmente o goleiro Wilson e sacramentando a vitória.

Jorginho tinha tentado diminuir o prejuízo após o segundo gol, com Willie na vaga de Caio, mantendo o 4-1-4-1 mas com ponteiros rápidos, mas o terceiro gol celeste matou suas esperanças. Tinga ainda entraria na vaga de Éverton Ribeiro, apenas para preencher o meio-campo e fazer o jogo se arrastar até o fim, apesar do belo gol de falta de Ayrton.

O padrão esperado dos visitantes

A postura do Vitória na noite de quinta é o que a maioria dos adversários celestes deverão fazer quando jogarem no Mineirão. O Cruzeiro é o atual campeão brasileiro e líder da competição atual, jogando futebol de respeito. Isso naturalmente encolhe o time visitante. Portanto é mais que natural que os outros times utilizem essa estratégia quando forem jogar em Belo Horizonte. Nem todos terão a mesma qualidade que o Vitória no primeiro tempo, assim como nem todos deixarão aproveitar dos erros defensivos celestes.

Todas as 13 interceptações do Vitória foram no campo defensivo, sendo 10 só no primeiro tempo (fonte: Squawka); ilustra bem qual deve ser a estratégia dos adversários do Cruzeiro no Mineirão

Todas as 13 interceptações do Vitória foram no campo defensivo, sendo 10 só no primeiro tempo (fonte: Squawka); ilustra bem qual deve ser a estratégia dos adversários do Cruzeiro no Mineirão

Assim, é preciso ter paciência. Qualquer análise tem que levar em conta os dois times, e não somente um lado, como muitos ditos jornalistas por aí fizeram. Uns dizem que o Cruzeiro só venceu porque o Vitória fez o gol contra, outros dizem que o Cruzeiro não jogou bem. Eu discordo dos dois pontos de vista. Não se pode afirmar que, mesmo sem o gol contra, o Cruzeiro não venceria, até porque não sabemos que impacto a alteração que Marcelo preparava naquele momento (Marlone x Lucas Silva) teria. O Cruzeiro jogou bom futebol e venceu com autoridade, buscando o gol e sem medo de errar. O adversário é que impõe dificuldades, e por isso mesmo, nem sempre o bom futebol vence.

Mas entre jogar bom futebol e vencer, o Cruzeiro faz os dois.

Cruzeiro 0 x 0 Atlético/MG – Inteligência e maturidade

O Constelações volta depois de merecidas férias. A viagem internacional, porém, não impediu o blogueiro de acompanhar o Cruzeiro na rua brilhante recuperação na Libertadores e no restabelecimento da ordem natural em âmbito regional. No primeiro caso, um time maduro e seguro de sua capacidade, jogando com inteligência no Chile e com ímpeto e imposição no Mineirão. Sempre no 4-2-3-1, mas uma alteração frequente para o 4-1-2-3 com um meio campo só de volantes, quando o desejo era arrastar o jogo até o fim.

Já no Campeonato Mineiro, a primeira partida da final foi praticamente igual à da fase de classificação. O Atlético tendo mais a bola, mas o Cruzeiro se defendendo bem e não abdicando do ataque. Consequência das mudanças de um lado e da evolução em outro: nem Atlético nem Cruzeiro são as mesmas equipes de 2013, apesar de terem praticamente os mesmos jogadores. O Atlético sob Paulo Autuori já não aplica mais a intensidade que Cuca sempre pedia, preferindo cadenciar um pouco mais. E o Cruzeiro, que no ano passado só sabia jogar ofensivamente — e que foi suficiente para o título nacional — já comprovou que pode jogar com outras estratégias, consequência de evolução notável da defesa.

A finalíssima

Times no 4-2-3-1, mas com o lado esquerdo atleticano vulnerável, pois Ronaldinho deixava o trabalho de marcação para Jô

Times no 4-2-3-1, mas com o lado esquerdo atleticano vulnerável, pois Ronaldinho deixava o trabalho de marcação para Jô

Para o segundo jogo, Marcelo Oliveira mandou a campo o 4-2-3-1 usual, com Fábio no gol. Mas, flanqueando os zagueiros Dedé e Bruno Rodrigo, estavam Ceará e Samudio, dois laterais que tem mais tendência a compor a linha defensiva do que apoiar. Para compensar uma eventual escassez de força ofensiva, a dupla de volantes tinha em Lucas Silva e Henrique dois jogadores com qualidade de passe e de chegada à frente, se juntando ao trio “clássico” formado por Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart e Dagoberto, com Júlio Baptista no comando do ataque.

Já o Atlético também veio no 4-2-3-1, mas diferente em relação ao que Cuca implementava no setor ofensivo. Jô continuou sendo o centroavante, mas fazia a cobertura para Ronaldinho, que tinha liberdade total e preferiu perambular entre o centro e a esquerda. Tardelli ficou mais à direita e Guilherme foi o meia central, principal responsável por fluir o jogo da defesa para o ataque. Atrás dele, Pierre e Leandro Donizete praticamente só defendiam a grande área de Victor, tendo o suporte na linha defensiva formada por Michel na vaga do titular Marcos Rocha, Otamendi, Leonardo Silva e Alex Silva.

Primeira etapa

Os papéis se inverteram em relação à primeira partida. Mesmo com a vantagem de um segundo empate, era o Cruzeiro quem mais demonstrava que queria vencer. Primeiro porque marcava pressão na saída atleticana e forçava o chutão, que quase sempre terminava com a bola em pés celestes; depois porque aplicava uma marcação fortíssima também no meio-campo, o que foi um fator surpreendente considerando a característica dos volantes do Cruzeiro. Eles não guardavam marcação individual, mas estavam sempre muito perto dos jogadores atleticanos e não deixavam o meio rival respirar.

O Atlético se contentou em se defender e segurar a pressão. Não foi fazer marcação alta na saída do Cruzeiro, e tinha ainda um setor vulnerável em sua defesa: a esquerda. Isso porque Ronaldinho era o homem que caía mais por aquele lado, mas não tinha nenhuma responsabilidade de marcação. Quem fazia isso por ele era Jô, que tinha que abandonar o seu posto à frente do time para marcar a saída do lateral Ceará — nem sempre ele fazia isso, pois tinha de correr muito. O resultado foi a liberdade imensa que Ceará tinha, recebendo várias bolas invertidas por Lucas ou Henrique. Foi uma tônica do primeiro tempo: o Cruzeiro tentava achar Dagoberto pela esquerda, o Atlético rodava a marcação — inclusive dos dois volantes — e deixava Ceará do outro lado sozinho para bater com Alex Silva. Foi num cruzamento de Ceará que Júlio Baptista quase marca um golaço de bicicleta.

Sem conseguir pelo chão, Paulo Autuori pediu para que Jô saísse do centro e pegasse um lateral no lançamento longo, pois assim poderia ganhar uma bola de cabeça e armar um ataque já perto da área celeste. Funcionou em certa medida, porque Ceará e Samudio não tem tanto poder aéreo, mas a segunda bola sempre era celeste — também porque os meias celestes se compactavam aos volantes e laterais, e sempre pegavam uma bola escapada das disputas aéreas ou nos duelos pelo chão, gerando grandes oportunidades de contra-ataque.

Numa delas, Éverton Ribeiro poderia ter marcado o primeiro gol dos clássicos de 2014. Se lembrando de uma conversa que teve com o goleiro Fábio — excelente indicativo de o quanto este grupo é unido — que revelou uma preferência de Victor em sair pelo chão em situação de um contra um, ele optou por dar uma cavadinha que de fato passou por cima do goleiro atleticano, mas a direção não foi boa e saiu.

Já o Atlético só assustou quando numa das raras vezes em que Ceará errou seu posicionamento, deixou Alex Silva tabelar com Ronaldinho, que enfiou uma bola na cara de Fábio. O jovem lateral preferiu cruzar, mas Samudio estava lá para tirar o perigo. E foi só.

A batalha tática dos treinadores

Autuori queimou todas as trocas: resolveu o lado esquerdo com Fernandinho marcando Ceará, mas ficou sem ninguém na lateral direita, espaço que Marcelo Oliveira aproveitou com Éverton Ribeiro invertendo de lado com a entrada de Souza

Autuori queimou todas as trocas: resolveu o lado esquerdo com Fernandinho marcando Ceará, mas ficou sem ninguém na lateral direita, espaço que Marcelo Oliveira aproveitou com Éverton Ribeiro invertendo de lado com a entrada de Souza

Vendo seu lateral exposto, Autuori resolveu voltar à fórmula Cuca do 4-2-3-1 no intervalo, tirando Guilherme, voltando com Ronaldinho para o centro e mandando Fernandinho para o jogo, caindo pela esquerda. Dessa vez, Jô não tinha mais que marcar por ali, pois a responsabilidade de marcação passou a ser de Fernandinho. Foi uma boa mexida, que em teoria daria mais ofensividade e velocidade, e ao mesmo tempo impediria a liberdade de Ceará pela direita.

Porém, só a segunda funcionou. Fernandinho mal tocou na bola, encaixotado na marcação de Ceará — que desta vez de fato ficou apenas marcando o lado esquerdo atleticano. Assim, a partida seguiu na mesma toada, mas com o Cruzeiro com menos espaços para jogar. Mesmo assim teve chances, com Éverton Ribeiro, em finalização de fora e com Ricardo Goulart, e lindo corta-luz de Éverton Ribeiro.

Nesse panorama, ou o jogo terminava em branco ou o Cruzeiro venceria. Aos 27, Autuori arriscou tudo, queimando as duas últimas trocas. Pierre por Claudinei era uma troca direta de volantes, também porque o primeiro já tinha amarelo. Mas Michel por Neto Berola mudava a cara do time: o Atlético ficou sem lateral direito, Berola foi para sua posição habitual de ponta direita, Tardelli e Ronaldinho ficaram pelo meio. Como Claudinei não foi ser lateral direito, o time ficou num sistema diferente, com linha de três e Leonardo Silva fazendo as vezes de lateral, dois volantes, dois meias e três atacantes. Algo como um 3-4-3 com meio-campo quadrado.

Quase no minuto seguinte, Marcelo respondeu com Souza na vaga de Dagoberto. O objetivo era não perder o meio-campo, mas surpreendentemente, Souza foi jogar aberto pela direita, com Éverton Ribeiro invertendo de lado. A substituição que parecia defensiva era na verdade muito ofensiva: Marcelo queria que Éverton explorasse o lado fraco da defesa atleticana. Foi um movimento excelente do treinador, que com uma única troca equilibrou as duas do treinador adversário, e ainda tinha mais duas pra fazer.

Os mapas de calor da Footstats mostram o domínio territorial celeste na partida: toques quase sempre no campo de ataque, enquanto o Atlético teve mais a bola em seu próprio campo

Os mapas de calor da Footstats mostram o domínio territorial celeste na partida: toques quase sempre no campo de ataque, enquanto o Atlético teve mais a bola em seu próprio campo

Então, Marcelo resolveu preparou o terreno. Tirou Ricardo Goulart e lançou Willian, mandando Éverton Ribeiro temporariamente para o centro. A marcação não arrefeceu um segundo sequer e o Cruzeiro continuava com o domínio territorial e de posse. Não havia motivos para continuar a movimentação defensiva, mas quase no fim do jogo, Ribeiro deu seu lugar a Tinga, para arrastar o jogo até o fim. E assim foi feito, o placar permaneceu virgem e o Cruzeiro arrebatou mais uma taça.

Jogar bem e saber jogar

Muitos analistas repercutiram as vitórias na Libertadores e o título mineiro dizendo que o Cruzeiro de 2013 está começando a aparecer novamente. Eu discordo: este Cruzeiro de 2014 é outro, evoluído, melhorado em relação àquele. Se no ano passado o Cruzeiro jogava ofensivamente e sempre busca a vitória a todo custo, já vimos neste ano o Cruzeiro jogar precisando vencer mas sem atacar alucinadamente. Sempre com equilíbrio e sabendo ditar o melhor ritmo para determinadas situações.

E é assim se que se deve jogar um torneio como a Libertadores. Atacar sempre pode dar resultado como no ano passado, principalmente porque num Brasileirão uma derrota é muito mais diluída entre os 38 jogos. Mas na fase eliminatória da Libertadores, uma derrota tem muito mais peso. Portanto é preciso saber que nem sempre atacar será a melhor solução.

Outro fator que chama a atenção é o poder de marcação celeste, que aumentou muito nesse temporada. Samudio surpreende positivamente, pois marca mais que Egídio mas não deixou a desejar no apoio. Será fundamental na caminhada. Henrique subiu muito de produção e hoje é inquestionável.

Por outro lado, o Cruzeiro tem pecado muito nas finalizações. As estatísticas não mentem: de acordo com a Fooststats, o Cruzeiro finalizou 291 vezes a gol durante todo o estadual, sendo 115 na direção certa (quase 40%). O Atlético, segundo no quesito, finalizou 191 vezes no total, 100 a menos que o time celeste, mas mandou 83 no alvo, com um aproveitamento de pouco mais de 43%.

A Libertadores continua, e vem aí o Brasileiro. Se colocar o pé na forma, dá pra levar os dois. É difícil, mas o Cruzeiro é, neste momento, o único time que pode fazer isso.

Que assim seja!

2014: o ano da Copa… Libertadores

O Constelações está de volta. O único blog de análise tática assumidamente sem compromisso com a análise neutra — aqui é só o Cruzeiro que interessa — abre seus trabalhos em 2014 com uma opinião sobre os novos contratados e um resumo sobre as duas primeiras partidas do ano.

Mas antes, cabe uma rápida explicação: as últimas rodadas do Brasileirão 2013 foram atenciosamente vistas por este que vos escreve. Porém, como sabem, este não é o meu trabalho principal (adoraria que fosse) e portanto não posso me dedicar a ele como gostaria. Some-se a isso as viagens e festas de fim de ano, nas quais fiquei sem meu equipamento para escrever os textos (um computador), passou-se o tempo, as análises não foram escritas e deixaram de ser relevantes.

Entretanto, não acredito ter perdido muita coisa. Afinal o Cruzeiro foi totalmente outro após a conquista do título, jogando mais para festejar com a torcida do que para vencer. O mesmo 4-2-3-1 permaneceu até o final, mas com equipes do outro lado jogando a vida para não caírem para a segunda divisão — uns conseguiram, outros não.

Reforços

Os inscritos para a Libertadores 2014.

Os inscritos para a Libertadores 2014

Mas 2014, o ano da Copa (Libertadores), chegou. E com ele, novos contratados apareceram na Toca II: Rodrigo Souza, Samudio, Marlone e Marcelo Moreno.

O primeiro é volante, mais de contenção, e portanto jogaria na posição que é atualmente do Nilton. Confesso que não sei se o jogador tem a mesma qualidade de passe e chegada na área em bolas paradas, a conferir.

O lateral esquerdo Samudio foi uma excelente contratação. Vem para ser a sombra que Egídio precisava, já que Éverton chegou a ser titular no Campeonato Mineiro mas perdeu a posição novamente e não jogou mais. O gringo traz a experiência de Libertadores que possui e será muito importante quando Egídio, ainda dono da posição, não puder jogar. Não conheço a característica do jogador, se é lateral mais defensivo (como Ceará) ou tem mais ímpeto (como Mayke e Egídio). Se eu tivesse que apostar, apostaria no primeiro caso.

Marlone é uma jovem promessa que apareceu muito bem no Vasco no ano passado. É ponteiro, podendo jogar pelos dois lados mas preferencialmente o esquerdo. Está na disputa com Willian, Dagoberto e Luan por esta vaga — sim, porque do lado direito, Éverton Ribeiro é o dono indiscutível da posição. E pode ter sido uma contratação já pensando numa provável saída de Éverton Ribeiro para o futebol europeu.

Já Moreno é velho conhecido da torcida celeste. Foi o artilheiro da Libertadores de 2008, a primeira da era Adílson Batista. Volta quatro anos mais experiente, depois de uma temporada razoável no Grêmio e no Flamengo, onde amargou a reserva de Hernane. Centroavante, possui bola aérea forte, mas tem características bem diferentes dos outros centroavantes Borges e Anselmo Ramon (e de Vinícius Araújo, que já se foi). Confesso que estou com um pé atrás com esta contratação, pois precisávamos de centroavantes móveis e não de mais uma referência na área (Borges e Anselmo já servem a esse propósito), mas pode também ser um indicativo de que Marcelo Oliveira está disposto a mudar o estilo de jogo se for preciso.

Cruzeiro 1 x 0 URT

O 4-2-3-1 de sempre, diante de uma URT recuada e defensiva tentando bloquear os laterais celestes

O 4-2-3-1 de sempre, diante de uma URT recuada e defensiva tentando bloquear os laterais celestes

O ano começou como terminou ano passado: o mesmo 4-2-3-1, porém com Souza na vaga de Nilton. Os outros dez eram os de sempre: Fábio no gol, Ceará e Egídio nas laterais, Dedé e Bruno Rodrigo na zaga, Lucas Silva de volante avançado e Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart e Dagoberto na linha de três meias atrás de Borges. Nada de novo.

Como também não foi novidade o número de finalizações celestes: 35, sendo 14 na direção do gol, contra apenas 6 da URT. Isso porque o time de Patos de postou com uma trinca de volantes, dois meias mais abertos para barrar as subidas dos laterais e um atacante apenas, que não fazia pressão em Dedé e Bruno Rodrigo. Assim, o Cruzeiro avançava até quase na intermediária ofensiva sem ser incomodado, e só sofria marcação mais pesada a partir daí.

A movimentação da trinca de meias do ano passado estava lá, ainda um pouco enferrujada, mas era intensa o suficiente para por vezes afundar um ou dois volantes patenses na linha defensiva e abrindo espaço logo à frente da área. Esse espaço gerou uma profusão de chances, que só não foram melhor aproveitadas porque o goleiro Guilliano estava em tarde inspirada, e também o pé ainda não me pareceu bem calibrado. Era o primeiro jogo da temporada, afinal.

Marcelo fez trocas simples, apesar de não serem diretas. Dagoberto por Willian, Júlio Baptista por Borges (com Goulart temporariamente na referência) e Goulart por Moreno. Manteve-se o 4-2-3-1 e o placar de 1 a 0 construído no fim do primeiro tempo.

Caldense 0 x 0 Cruzeiro

No mesmo 4-2-3-1 do Cruzeiro, a Caldense teve mais físico e por isso mais intensidade: muita marcação e velocidade com a bola

No mesmo 4-2-3-1 do Cruzeiro, a Caldense teve mais físico e por isso mais intensidade: muita marcação e velocidade com a bola

Já no sul de Minas foi diferente. A Caldense, com um bom time armado pelo técnico Leonardo Condé, não teve a mesma postura da URT e avançou suas linhas de marcação. Jogando no mesmo 4-2-3-1 do Cruzeiro, tinha o veloz Diney na esquerda, e Éverton Maradona comandando o meio-campo central. Em teoria, não havia superioridade numérica em nenhum setor do campo, mas o time de Poços tinha mais energia e preparo físico, jogando com muita velocidade tanto no ataque como na defesa. O Cruzeiro, sem o mesmo condicionamento, tentava tirar a velocidade do jogo, e por isso ficava com a bola mais tempo mas sem produzir nada.

Nesta feita, Marcelo Oliveira teve que trocar Borges por Moreno diretamente, devido a lesão do camisa 9 ainda no primeiro tempo. Depois, Júlio Baptista entrou na vaga de Willian (que havia começado o jogo pela esquerda na vaga do poupado Dagoberto), fazendo Ricardo Goulart jogar pela esquerda na linha de três, mas “a la Éverton Ribeiro”: puxando para o centro, devido sua tendência de estar por dentro do campo, e ao mesmo tempo explorando o espaço que Júlio Baptista tentava criar com incursões à grande área.

E por fim, Éverton Ribeiro, que errou muitos passes neste jogo, saiu para a entrada de Élber. A tentativa era a da velocidade, ultrapassagens pelos lados para levantar a bola para Moreno na área, mas não houve sucesso.
E, em suma, foi assim o jogo: a Caldense jogando a vida, pois qualquer ponto nos confrontos com os time da capital pode valer uma vaga na semifinal, e o Cruzeiro ainda tentando encontrar um ritmo e recuperando a questão física. O zero a zero acabou sendo um resultado condizente, em que pese o time da casa ter tido mais chances.

Ainda é pré-temporada

Lembremos que o Cruzeiro jogou sua última partida em 2013 no dia 8 de dezembro. Somemos o mês de férias e o mês de pré-temporada e chegamos à data de 8 de fevereiro: o dia em que aí sim podemos passar a cobrar um pouco mais do Cruzeiro, ainda que seja o início da temporada. Portanto, estes primeiros jogos só servem como pré-temporada de fato, mesmo que sejam jogos oficiais. A estreia na Libertadores é no dia 12 contra o Real Garcilaso, e até lá o Cruzeiro ainda vai evoluir física e tecnicamente.

Taticamente, a evolução continua, mas já é um time bastante amadurecido com o sucesso na temporada passada.

Cruzeiro 5 x 3 Criciúma – Sempre há espaço para melhorar

O Cruzeiro voltou a ser o Cruzeiro da sequência de doze rodadas invictas que encantou o Brasil — mas só durante trinta minutos. Depois disso, inventou de diminuir a velocidade do jogo, coisa que não sabe (ainda) fazer, expôs seus problemas defensivos e levou um baita susto ainda na primeira etapa. Mas se ainda não é um time maduro para mudar o estilo durante a partida, teve capacidade mental suficiente para conseguir “desvirar” o placar, se aproximando muito do tri.

Formações táticas

O 4-3-1-2 losango do Criciúma tentou lotar o meio-campo mas deu liberdade aos laterais do 4-2-1-2 celeste e só se defendeu durante meia hora

O 4-3-1-2 losango do Criciúma tentou lotar o meio-campo mas deu liberdade aos laterais do 4-2-1-2 celeste e só se defendeu durante meia hora

O Cruzeiro foi para o jogo no seu 4-2-3-1 usual, mas com mudanças no estilo dos jogadores que o compunham. Do gol, Fábio viu sua linha defensiva ser formada por Ceará à direita, Egídio à esquerda e Dedé e Léo compondo a zaga central. Com Nilton suspenso, Henrique fez o papel do primeiro volante na companhia a Lucas Silva, e Dagoberto foi o escolhido para a vaga de Ricardo Goulart no trio de meias, composto também por Willian, desta vez à direita, e Éverton Ribeiro, “oficializado” como central. Na frente, Borges enfiado entre os zagueiros.

Argel Fucks armou o Criciúma tendo o 4-3-1-2 losango como base, mas altamente adaptável para se defender do ataque celeste. A meta de Gallato foi defendida pelos zagueiros Matheus Ferraz e Fábio Ferreira, que por sua vez eram flanqueados por Sueliton na lateral direita e Marlon na esquerda. Henik foi o volante mais defensivo, com Ricardinho jogando mais à direita e João Vitor mais pela esquerda, mas ainda no meio-campo central, dando suporte a Ivo na ligação. Na frente, Lins se movimentava e Marcel ficava na referência.

Corredores livres

É claro que a volta da intensidade característica do quarteto ofensivo, tanto defendendo como atacando, foi um fator determinante para o início arrasador do Cruzeiro. Porém é preciso também destacar o corredor que os dois laterais tiveram para subir e se aproximar dos ponteiros, fazendo maior número pelos lados do campo. Ricardinho até abandonava o meio-campo para encurtar o espaço em Egídio, mas o camisa 6, sem ter um ponteiro verdadeiro para marcar, ultrapassou seu marcador com o mesmo ímpeto que chamou a atenção de todos no primeiro turno do certame.

Ceará, por outro lado, teve toda a liberdade para apoiar, pois quando recebia a bola, João Vitor só o marcava à distância. O veterano camisa 2 subiu frequentemente ao ataque, recebendo ora passes de trás e avançando até encontrar Marlon, ora inversões de jogada que Lucas Silva produzia tão bem, fazendo o lateral esquerdo do Criciúma sair da formação da defesa para ir à marcação. Foi deste lado que saiu o primeiro gol, num belo passe de Ribeiro para Ceará já avançado até a linha de fundo, que cruzou rasteiro mas encontrou a defesa. No rebote, o próprio Éverton bateu de esquerda — o pé bom — para abrir o placar.

Dagoberto

Outro fator interessante é a característica que Dagoberto dá ao time. Enquanto Goulart é mais aplicado taticamente e tem papel fundamental na movimentação e na construção da jogada, Dagoberto é mais agudo e finalizador, procurando espaços com o drible rápido — um pouco parecido com Willian. O segundo gol aconteceu por causa disso — Dagoberto já estava posicionado junto à linha defensiva do Criciúma, mas bem aberto à esquerda, quando Éverton Ribeiro encontrou Egídio sem marcação. O lateral entrou um pouco pelo centro mas passou a Dagoberto, que imediatamente deu a Éverton, que havia tomado a frente de dois marcadores dentro da área. O passe não foi bom, mas Éverton fez do limão uma limonada: deu um passe escorpião de volta a Dagoberto na entrada da área, que pegou de primeira, se marcação — atraída por Ribeiro — e aumentou.

Defensivamente, porém, Dagoberto não contribui tanto. Isso não era um problema naquele momento do jogo, pois só o Cruzeiro atacava e Sueliton se limitava a compor a linha defensiva, mas quando o Cruzeiro diminuiu o ritmo — talvez pela facilidade que encontrava no campo ofensivo — isso passou a ser um fator de preocupação.

Volância leve

Cruzeiro 5 x 3 Criciúma - Fim do 1º Tempo

No fim do primeiro tempo, o Cruzeiro deu campo ao Criciúma, mas os ponteiros não voltavam com os laterais, e os volantes (principalmente Henrique) com falhas nas coberturas

Mas o maior problema defensivo, neste momento da partida, residia na entrada da área. O primeiro gol do Criciúma — numa cobrança muito bem feita de João Vitor, diga-se — já poderia ser um alerta, pois Henik avança sem ser incomodado no setor, obrigando o zagueiro a subir o bote, errar o tempo e cometer a falta. Lucas Silva tem um bom combate, mas jogava mais avançado, e Henrique simplesmente não estava no mesmo ritmo dos outros jogadores, limitando-se ao cerco sem dar botes mais fortes.

Em que pese o Cruzeiro ter continuado atacando após sofrer o gol, o Criciúma passou a jogar também e encontrou este espaço na entrada da área para criar e conseguir uma virada surpreendente ainda na primeira etapa. Primeiro, Marlon avança pela esquerda mas não é acompanhado por Éverton Ribeiro, que naquele momento era o ponteiro e devia marcá-lo, e a cobertura de Henrique é falha — o camisa 8 deixa um passe de Marlon entrar nas suas costas pela direita. O cruzamento acha Lins, que está longe de Lucas Silva.

Depois, uma inversão de bola da esquerda para a direita acha Sueliton avançando com espaço. Dagoberto tenta voltar para acompanhar mas não consegue, e Egídio está pelo centro da área compactado lateralmente na defesa (que é o comportamento certo). O lateral direito do Criciúma cruza rasteiro de primeira para Ricardinho, na meia-lua, completar de primeira. É possível ver Henrique muito afundado na marcação, quando deveria estar ali para interceptar o passe.

Sueliton fora

O time voltou para o segundo tempo sem alterações, mas não deu tempo de avaliar se havia algo novo na postura do time, pois logo aos 4 Sueliton receberia o segundo amarelo e o Cruzeiro passou a ter vantagem numérica. Marcelo Oliveira esperou Argel reformatar sua equipe com Ezequiel, lateral direito, na vaga de Ivo, optando pelo 4-4-1 (na transmissão foi possível ver o técnico do Criciúma fazendo dois números quatro com as mãos, uma na frente da outra, indicando o sistema que queria) para poder fazer seus movimentos.

O time da virada: com um a mais, Júlio e Éverton foram os meias do inédito 4-3-3 com laterais totalmente livres para apoiar ao mesmo tempo

O time da virada: com um a mais, Júlio e Éverton foram os meias do inédito 4-3-3 com laterais totalmente livres para apoiar ao mesmo tempo

As entradas de Júlio Baptista e Mayke nas vagas de Henrique e Ceará deram ao time um viés ultra ofensivo. Mayke é reconhecidamente mais ofensivo que o veterano camisa 2, e Júlio, um meia-atacante de origem, entrou na vaga de um volante, e com isso o Cruzeiro passou pela primeira vez a jogar num 4-3-3 clássico, com Éverton um pouco mais recuado como meia direita, Júlio na meia-esquerda, Willian e Dagoberto nas pontas e Borges de centroavante. Isso além de Lucas Silva ser um volante com chegada e Egídio ser um lateral ofensivo também — apenas os zagueiros não participariam da construção ofensiva.

Muitos cruzamentos

Este embate de sistemas proporcionou duelos por todo o campo. Marcelo abdicou de pressionar os zagueiros e se limitava a cercar Lucas Silva, enquanto que os laterais celestes batiam com os meias abertos do time catarinense. Os meias batiam com os volantes e os ponteiros com os laterais, deixando apenas Borges segurando os dois zagueiros.

Seguros da cobertura de Lucas e dos zagueiros, os laterais avançaram sem medo. Resultado: foi o jogo com maior número de cruzamentos do Cruzeiro no campeonato. Não demorou para Borges empatar com um passe vindo de Mayke e desviado por Willian, pegando a defesa desprevenida. Gol típico de centroavante: batendo cruzado na primeira oportunidade. Argel só tinha a opção do contra-ataque, e lançou Douglas, mais leve, na vaga de Marcel. Já Marcelo Oliveira tirou Willian, cansado, por Élber, na ponta direita. E foi com ele que veio o gol da tranquilidade, do mesmo lado direito. O cruzamento achou a cabeça de Borges, sozinho, no meio da área.

Com dois laterais bem ofensivos, o Cruzeiro levantou nada menos do que 37 bolas na área (7 certos), o maior número até aqui no campeonato

Com dois laterais bem ofensivos, o Cruzeiro levantou nada menos do que 37 bolas na área (7 certos), o maior número até aqui no campeonato

Em desvantagem, o Criciúma tentou avançar suas linhas, com Lins saindo do meio para fazer um 4-3-2 ao lado de Douglas no ataque, numa última tentativa de achar o empate. Mas isso acabou piorando a situação no meio-campo, e o Cruzeiro desta vez conseguiu trocar passes sem sustos, e até eventualmente conseguir marcar mais um no pênalti incontestável em Dagoberto que ele mesmo cobrou.

Quase campeão, mas ainda verde

Não há como negar que a expulsão mudou a maneira de jogar das equipes na partida, mas dizer que foi o único fator responsável pelo resultado é demais. O Cruzeiro venceu por méritos próprios, tanto dos jogadores quanto de Marcelo Oliveira, que fez as trocas corretas para dar o melhor resultado tático possível.

Mas o susto no fim do primeiro tempo liga um alerta. Por causa dele, este blog se convenceu de que o Cruzeiro de fato ainda não sabe jogar de outra forma que não atacando com intensidade sempre. Este time ainda não é maduro para segurar a partida tendo a bola nos pés e diminuir o ritmo do jogo. Pode ter dado certo em alguns momentos nesta temporada, mas isto ainda é um fator a se evoluir. Não é surpreendente, no entanto, pois é uma equipe em sua primeira temporada e que não teve tempo para treinar variações, ainda que esteja liderando o campeonato com folga.

E, por isso mesmo, o provável título será ainda mais valorizado. Afinal, o Cruzeiro é uma equipe ainda longe de estar perfeita.